7 dicas para Marcus Buchecha migrar com sucesso para o MMA, por Rafa Ribeiro

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Marcus Buchecha treinando já de luvinhas. Foto: Arquivo Pessoal

Maior vencedor da história do Jiu-Jitsu, o paulista Marcus Vinicius “Buchecha” anunciou que está de mudança para o MMA. Buchecha conquistou ao todo 13 títulos mundiais somente na faixa-preta pela IBJJF, sendo sete da categoria e seis no absoluto.

Dono de um Jiu-Jitsu agressivo, veloz e técnico, Buchecha ainda se destaca pelo seu porte físico extremamente atlético, fruto de uma mudança de perfil da categoria pesadíssimo, um reflexo da evolução do Jiu-Jitsu como modalidade esportiva. Como se não bastasse, o cara ainda tem um mindset diferenciado. Fato esse que ficou bem claro em ver como ele se comportou após sua primeira e única derrota para Rodolfo Vieira. Ele mesmo afirmou que essa derrota o fez crescer, pois o treino era focado em vencer o Rodolfo. E conseguiu. Foram cinco vitórias consecutivas. Resumindo, o Buchecha tem tudo que um campeão precisa e mais um pouco. Porém, vale lembrar que isso foi a história dele no Jiu-Jitsu. No MMA a coisa pode ser bem diferente.

Quando mudamos de modalidade, precisamos começar quase que do zero. Ao longo das últimas três décadas, vimos vários lutadores e atletas do Jiu-Jitsu migrarem para o MMA. Alguns com mais sucesso e outros nem tanto. Vimos também o MMA mudar regras, formato e também evoluir como modalidade. O que antes era um torneio inter-estilos hoje se transformou num desafio pela eficiência individual. Ou quem é o atleta mais completo. Tendo este cenário moderno em vista, vou trazer aqui alguns pontos para você leitor ter uma melhor dimensão do que representa um atleta migrar do BJJ para o MMA.

Buchecha e Daniel Cormier em treino específico na AKA, nos EUA. Foto: Arquivo pessoal

Histórico de atletas que competem em duas modalidades esportivas

Aqui vou levantar o retrospecto geral do esporte e trazer alguns números para vocês terem uma primeira dimensão.

– Vamos começar pelo caso mais famoso de todos, o do melhor jogador de basquete de todos os tempos, Michael Jordan. Após a morte de seu pai, ele mudou para a MLB (liga americana de beisebol profissional) porém, jogou na terceira divisão. Bo Jackson e Deion Sanders, foram as referências citadas por Jordan quando questionado sobre a mudança. Mas, esses foram os únicos atletas que conseguiram jogar na elite de duas modalidades: da NFL e da MLB.

– Trazendo para o Brasil, temos os exemplos dos dois melhores jogadores de Futsal da história, Manoel Tobias e Falcão. Ambos tentaram jogar no campo (Grêmio e São Paulo respectivamente) mas tiveram péssimos rendimentos.

– Considerando os jogos olímpicos de verão e inverno, somente nove atletas ganharam medalhas de ouro em duas modalidades diferentes.

– Estar no topo em duas modalidades distintas, é realmente para poucos atletas. Nem mesmo um dos maiores atletas de todos os tempos, Michael Jordan, conseguiu isso.

Evolução do MMA como modalidade esportiva

Quanto mais popular for a modalidade, maior se torna a própria modalidade. O número de adeptos aumentam, o mercado cresce, os investimentos sobem e, obviamente com tudo isso se desenvolvendo, a competitividade fica cada vez mais acirrada. Cada mínimo detalhe passa a ter uma importância cada vez maior. Lá na década de 90, quando o MMA surgiu para o mundo através da primeira edição do UFC, vimos um Royce Gracie entrar de kimono para lutar. Os comentaristas, assim como grande parte do público, se espantaram com os golpes aplicados pelo brasileiro. É até engraçado assistir a narração original dos primeiros eventos. Para quem já assiste MMA hoje, e mesmo que leigo em Jiu-Jitsu, já vai achar estranho você não saber o que é um triângulo ou um armlock. Portanto, como diz meu pai, “hoje não há ninguém mais bobo”. Difícil ter uma atleta da elite do MMA que desconheça o jogo de chão. Quase são faixas-pretas. Portanto, aquela grande vantagem que os lutadores de Jiu-Jitsu tiveram na década de 90 já diminuiu quase que em sua totalidade.

As estatísticas a favor do wrestling

As estatísticas demonstram que o wrestling é o esporte de combate que está na maioria da base dos campeões de MMA moderno. Da lista de campeões do UFC quem tem 12 categorias de peso, oito para homens e quatro para mulheres, o wrestling domina como esporte de base na categoria masculina, em sete das oito. Já o MMA e o wrestling femininos, possuem um histórico mais recentes, e talvez por isso exista ainda um maior equilíbrio entre as vencedoras. Na verdade, os lutadores de wrestling americanos sempre foram os principais rivais de nós do Jiu-Jitsu no cenário mundial do MMA. Ainda na década de 90, surgiram caras como Mark Coleman e Mark Kerr. Quem acompanha o MMA desde essa época, assim como eu, deve lembrar que em algum momento pensávamos que seria impossível alguém derrotar o Mark Kerr.

Nesse caso, o Buchecha tem um ponto a seu favor: já treina e usa o wrestling no BJJ a muito tempo. Aliás, escrevi isso, num artigo em 2018, como sendo um dos diferenciais do desempenho dele no mundial daquele ano. Obviamente, ver o Buchecha lutando com atletas de outro calibre no wrestling, como o Jon Jones que foi campeão americano júnior de wrestling, talvez seja um outro desafio. Porém, daqui até que ele chegue nesse nível no MMA, o wrestling dele já esteja em um outro patamar.

De luvas e capacete, Buchecha e Cormier trocam socos em treino na AKA. Foto: Arquivo pessoal

O retrospecto do Jiu-Jitsu no cenário moderno

Esse é um ponto delicado do texto, mas precisamos ser analíticos. Se você chegou até esse ponto do texto, vamos pegar o que escrevi nos itens 2 e 3 para entender o que vou falar na sequência. No MMA masculino atualmente só temos um campeão mundial de Jiu-Jitsu que também foi campeão do UFC: Fabrício Werdum. Temos também o Gilbert Durinho chegando bem próximo de conseguir esse mesmo feito, mas terá pela frente um rival que veio do wrestling e é faixa-preta de Jiu-Jitsu. O Rodolfo Vieira, que entrou no UFC há pouco tempo, está invicto com seis vitórias. Mas comparados com nossos “primos” do wrestling, estamos em larga desvantagem. Tivemos baixas importantes nessa última década como os exemplos dos super campeões de BJJ e ADCC : Marcelinho Garcia e Roger Gracie. Ambos tiveram uma curta passagem pelo MMA e sem grande sucesso. Até mesmo a única representante do BJJ a ter um cinturão do UFC hoje, a minha conterrânea Amanda Nunes, ganhou suas lutas em sua grande maioria por nocaute (13 nocautes e três finalizações). Então os números nos mostram que é preciso ser cauteloso nas expectativas.

Os treinos de modalidades percussivas

As modalidades esportivas de combate (MEC) são subdivididas em dois subgrupos: as de grappling (BJJ, judô, wrestling, sambo, etc) e as de percussão (boxe, karate, taekwondo, muay thai, etc). Na hora de migrar para o MMA, ainda vemos muita gente treinando essas modalidades separadas, e isso pode ser um tremendo equívoco. Usar o wrestling numa luta de wrestling ou mesmo o boxe para lutar dentro das regras do boxe é bem diferente que usar as técnicas de ambos para uma luta de MMA. Vou dar um exemplo: se você entra para lutar no MMA, estando muito treinado em boxe, o seu adversário pode chutar suas pernas e você ficará com problemas. Ou mesmo te colocar na grade para que você durante a defesa perca sua capacidade de nocaute com os braços. Aliás, essa era a estratégia do Cain Velásquez contra o Júnior Cigano. Um exemplo muito bem sucedido para ser avaliado é o do uso dos cotovelos pelo Jon Jones. Esse é um atleta que além de ter um excelente nível de wrestling, usa bem todas as partes do corpo: socos, chutes, joelhadas, cotoveladas. E tudo com muita conexão entre os estilos e também com muita versatilidade. O cara ainda consegue finalizar atletas faixas-pretas de Jiu-Jitsu, como Vitor Belfort e Lyoto Machida. Não é à toa que ele é considerado, por muitos, como o melhor lutador da era moderna de MMA. Engraçado que o primeiro atleta a ter a sacada de conectar muito bem os estilos foi um brasileiro: o Marco Ruas, ainda na década de 90, mas parece que as pessoas do meio esquecem desse importante detalhe.

A preparação

A mudança de modalidades traz acima de tudo a mudança também de regras e formatos dos eventos. No que tange a preparação do atleta, esse é um ponto determinante para quem migra do BJJ para o MMA. No Jiu-Jitsu, geralmente, você participa torneios com várias lutas no mesmo dia. No caso do Buchecha, no Mundial da IBJJF, são em média oito a dez lutas de 10 min cada. Nesse sentido, a preparação esportiva desse atleta visa abranger o máximo de requisitos possíveis. Afinal, dentro da mesma competição ele pode e deve enfrentar adversários com biotipos físicos, modelos táticos e técnicas completamente diferentes. No absoluto ele pode encarar caras como o Felipe Preguiça, o Keenan Cornelius, o Mahamed Aly ou até mesmo um Lucas Lepri. Então a preparação deve ser muito mais abrangente. Já no MMA, o cenário é completamente diferente. A preparação é pensada para um adversário e, sendo assim, vem a dar suporte para a tática escolhida para a luta. Outro ponto de grande diferença é o tempo de luta. Enquanto no Mundial o Buchecha precisa estar preparado para dez lutas de 10 minutos, em dois dias, no MMA são 3 rounds de 5 minutos em sequência e numa mesma noite. Ou seja, o modelo competitivo do BJJ e do MMA são bem diferentes. Enquanto o BJJ tem uma dinâmica que pode levar o dia todo de competição, e por dois dias, o atleta precisa estar preparado para manter o nível físico, mental e emocional numa zona que ele consiga passar o tempo todo no ótimo da sua performance. É uma verdadeira guerra. Economizar energia numa situação de vantagem, usar o estoque quando preciso, saber recuperar entre as lutas, tudo importa. Abordei isso no artigo que usei o próprio Buchecha como exemplo: a do Gás Infinito. Já no MMA, é uma luta só, dividida em três rounds. Apesar de ter menos tempo que as dez lutas de Jiu-Jitsu, o desgaste emocional é muito maior, afinal estamos falando de eventos de proporções de audiências bem diferentes e milhões de pessoas assistindo, além de patrocinadores e bolsas em um outro patamar. Um ponto positivo que conta para o Buchecha é que ele já vinha fazendo alguns eventos de lutas casadas e portanto já pôde vivenciar essa dinâmica.

Será que Buchecha está preparado para estrear no MMA? Foto: Divulgação

Expectativa

Como descrevi durante o texto, a expectativa para a mudança de um competidor de elite do BJJ para o MMA é bem desafiadora. Ainda mais em se tratando do maior vencedor da história do Jiu-Jitsu. O Buchecha carrega consigo além da esperança de toda uma modalidade em reviver os tempos onde o BJJ era tido como arte marcial mais eficiente quando os combates eram ainda inter-estilos, uma cobrança invisível que é respaldada nesse marketing mundial que o próprio BJJ se apoiou para crescer como modalidade.

Alguma coisa, nessa era moderna, está acontecendo nessa migração dos atletas de BJJ para MMA. E os números mostram isso. É preciso investigar com mais calma para identificar quais os possíveis erros dessa transição ou mesmo qual o melhor caminho a ser feito. Planejamento e estudos analíticos podem ser excelentes ferramentas nessa árdua tarefa que o super campeão Marcus Buchecha terá pela frente. Nesse texto, tentei trazer apenas breves explicações de alguns pontos, para que todos os fãs, assim como eu, tenham noção do desafio que Buchecha terá pela frente.

Resumindo: é muito mais difícil do que imaginávamos mudar de modalidade esportiva e mais difícil ainda estar na elite em ambas. Ser campeão também em ambas, a história provou que realmente foi para poucos humanos. Aliás seriam super humanos esses que conseguiram esse feito?

** Rafael Ribeiro é preparador esportivo de atletas amadores e profissionais, com foco em MEC (Modalidades Esportivas de Combate) e surfe. Ministra cursos de extensão e pós-graduação. Atualmente é responsável pela preparação esportiva dos atletas profissionais de Jiu-Jitsu Isaque Bahiense, Mahamed Aly, Márcio André, Pedro “Paquito” Ramalho e Hiago Gama. Também já treinou Michael Langhi e Renato Cardoso. Instagram: @rafaribeirojj

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