Grande mestre Flavio Behring está com sua guarda bem fechada diante da ameaça do coronavírus. O aluno de Helio Gracie e João Alberto Barreto, que desde 1987 mora em São Paulo, não sai de casa sequer para comprar frutas no mercado – é sua filha, que está morando na casa do namorado, que traz os alimentos e compras.
“Não estou tendo contato com nenhum ser humano, minha filha deixa as caixas na porta, eu abro e limpo tudo cuidadosamente, lavando as mãos por 30 segundos depois”, ensina Behring. “Não quero contato nem risco nenhum em tempos assim. É o que o Jiu-Jitsu também nos ensinou a vida toda, quem tenta ser Super-Homem muitas vezes pode tropeçar e despencar.”
Impedido de visitar as academias dos alunos e cumprir suas constantes viagens pelo mundo para demonstrar seu Jiu-Jitsu clássico, o mestre de 82 anos não esmorece nem perde o humor.
“Sigo sendo um viajante contumaz”, admite Behring, em conversa com GRACIEMAG. “Sempre fui, por gostar de conhecer e vivenciar culturas diferentes, sabores, idiomas e experiências. A partir de 2000, por exemplo, passei a viajar oito meses por ano para fora, passando apenas quatro meses no Brasil em média. Creio que viajar contribui muito para o mestre de Jiu-Jitsu observar como anda a arte em outros países. O Jiu-Jitsu, por sinal, é um idioma universal, e ao viajar você se comunica melhor, aprende as características e linguagens de cada povo nos tatames. Como nunca tive nada a esconder, adoro viajar e mostrar tudo o que sei. Mas com essa doença por aí, não temos o que fazer – é preciso não se expor, e ficar em casa para que menos vidas sejam perdidas nos hospitais.”
O mestre aproveita o papo para relembrar lances históricos do Jiu-Jitsu, corrigir datas para o repórter e remontar casos deliciosos que viu e viveu.
Num desses episódios, Flavio Behring conta um período em que a faixa-vermelha dos mestres do Jiu-Jitsu quase ganhou outra cor – verde e amarela.
“Houve uma época em que o Helio Gracie começou a usar na cintura uma faixa verde-amarela. Acho que até faria sentido que ela fosse mantida. Hoje poderíamos ter uma faixa com as cores do Brasil apenas para os mestres pioneiros do Jiu-Jitsu brasileiro – casos de Conde Koma, Carlos, Helio e os irmãos. E a vermelha para os demais mestres que vieram e viriam depois. Mas a faixa verde-amarela acabou sendo posta de lado – passou a ser vista apenas nas competições, para diferenciar lutadores com kimonos da mesma cor.”
Mestre Flavio termina o papo com um incentivo aos leitores e praticantes sedentos por voltar aos treininhos.
“O Jiu-Jitsu é como andar de bicicleta, você não vai desaprender nunca”, garante o mestre. “Os treinos mais constantes apenas aumentam nossa capacidade de percepção e a velocidade do reflexo. Recomendo aos praticantes que mentalizem algumas das técnicas – pense nos movimentos que você mais gosta de fazer na academia, afinal o trabalho mental também é importante no Jiu-Jitsu, e ajuda a relaxar nesses tempos enclausurados. Assista a algumas de suas lutas prediletas, aulas do seu professor e tente pensar como você executaria aquela técnica. E não deixe de fazer ginástica em casa também, para não perder a pujança física.”
Flavio Behring conclui: “Estamos vivendo tempos de pressão, de opressão, sem poder exercer tranquilamente o direito de ir e vir, por isso devemos manter a mente sadia e treinada, com os pensamentos lá no tatame, para nos mantermos produtivos e compreensivos dos tempos em que estamos vivendo, e que já já vai terminar, com muitas lições positivas e necessárias.”