Rei sem a coroa do peso-leve, Charles do Bronx, prestes a completar 33 anos, estará em ação na luta principal do UFC 280, a ser disputado no dia 22 de outubro, em Abu Dhabi. O brasileiro tentará recuperar o cinturão da categoria diante do russo Islam Makhachev, pupilo do astro Khabib Nurmagomedov.
Em sua luta mais recente, Charles perdeu o título na balança, após não bater o limite de 70.3kg na pesagem oficial, na véspera do duelo contra Justin Gaethje. Apesar de ter declarado que tinha batido o peso e que a balança estava adulterada, Charles foi destituído do posto de campeão. Com o título em jogo apenas para o americano, o brasileiro teve como trunfo a mente blindada para conquistar a vitória no dia seguinte. Do Bronx não lutou para manter para manter o título, mas a honra.
Charles sofreu com o ímpeto inicial do americano e foi à lona em duas oportunidades. Apesar do cenário desagradável, com a clara desvantagem logo nos primeiros minutos da luta, disputada na terra natal do adversário, Charles estava convicto da vitória. Afinal, apanhar não era uma novidade para o menino que veio do Guarujá. Por mais forte que Justin socasse, não seria superior ao quanto a vida já bateu em Charles. E, dessa forma. O menino amadureceu.
Ainda no primeiro round, Charles do Bronx acertou um diretaço de direita que derrubou o americano. Imediatamente, o (ex) campeão atacou no triângulo. Gaethje foi guerreiro, saiu da posição, mas deu espaço para Charles pegar as costas. Foram poucos instantes para o faixa-preta colocar os ganchos, encaixar o mata-leão e forçar a desistência do oponente.
Após emplacar a 11ª vitória consecutiva no Ultimate, Charles mandou um recado emblemático ao mundo do MMA. “O campeão tem nome e se chama Charles Oliveira”. Tal afirmação não poderia ser mais precisa. E Charles não é apenas o campeão moral dos leves do UFC, é um campeão da vida.
Criado no distrito de Vicente de Carvalho, no Guarujá, Charles superou sua primeira grande batalha aos sete anos. O menino foi diagnosticado com uma febre reumática e sopro no coração. A doença era tão grave que Charles lutou pela própria vida e ficou impossibilitado de praticar esportes por um período.
Aos 12 anos, Charles conheceu o Jiu-Jitsu, a arte que lhe abriu as portas para brilhar ao redor do mundo. O guarujaense trilhou um árduo caminho até chegar ao UFC. Ele estreou profissionalmente no MMA, aos 18 anos, em março de 2008. O menino franzino, que ainda nem tinha o apelido “Do Bronx”, fez três lutas na mesma noite no GP dos meio-médios do Predador FC. Apesar da evidente diferença de peso, força e experiência, Charles Oliveira conseguiu dois triunfos por nocaute e um por finalização e faturou o prêmio de R$ 5 mil. Oliveira conta que utilizou a premiação para caprichar nas compras no mercado e realizou um sonho de infância. Após ser autorizado pelo pai Toninho, Charles comprou um Nintendo. Seria apenas o primeiro de muitos sonhos que o menino do Guarujá realizaria.
Invicto no MMA, Charles estreou no UFC aos 20 anos, em agosto de 2010. O peso-leve precisou de apenas 41 segundos para finalizar o americano Darren Elkins com um ataque duplo no triângulo e armlock. Em seguida, Do Bronx aplicou um belo mata-leão em pé para estrangular o mexicano Efrain Escudero, campeão do TUF 8 e tido com uma das grandes promessas na época. Na luta seguinte, Charles conheceu a derrota pela primeira vez na modalidade. O paulista foi finalizado pelo já experiente Jim Miller com uma chave de calcanhar.
Naquela altura, Charles tinha um raro talento no Jiu-Jitsu, mas ainda estava cru nos outros setores, especialmente na trocação, onde era alvo fácil dos adversários. Ele chegou a migrar para o peso-pena, só que teve problemas com o corte de peso e não ficou muito por lá. Durante quase uma década, o faixa-preta oscilou entre vitórias e derrotas. Ao todo, foram oito reveses: quatro nocautes, três finalizações e uma decisão dos árbitros. O último deles ocorreu em dezembro de 2017, quando foi brutamente nocauteado pelo irlandês Paul Felder no retorno aos leves. De lá para cá, o atleta da Chute Boxe/Diego Lima mudou o rumo de sua história.
Embora seja um lutador de elite, completo na trocação e no solo, há um fator determinante que transcende o octógono e que torna Charles diferente dos demais campeões: a resiliência. Por mais inacreditável que o sonho de se tornar campeão fosse, ele nunca deixou de acreditar e trabalhar em prol do objetivo traçado. O resiliente faixa-preta precisou de 28 lutas no UFC para conquistar o cinturão, o caminho mais longo que qualquer campeão já percorreu na história da organização.
Não bastava ter percorrido um caminho árduo. Como o ex-campeão Khabib Numargomedov se aposentara meses antes, Charles foi descredibilizado inúmeras vezes e muitos o apontaram como campeão ilegítimo. Do Bronx foi alvo de provocações dos rivais, que martelaram incessantemente nas desistências do brasileiro. Mas nada poderia penetrar na mente blindada do campeão. Enfim, Charles provou que é o nome a ser batido no peso-leve. As vitórias fulminantes sobre Michael Chandler, Dustin Poirier e Justin Gaethje o credenciaram ao posto.
Recordista de finalizações na história do evento, com 16 triunfos por submissão, Charles terá a oportunidade de ampliar seu legado no UFC 280. Uma eventual vitória sobre Islam Makhachev poderia consolidá-lo como melhor peso-leve de todos os tempos. Justamente porque o russo ocupa o lugar deixado pelo melhor amigo de infância, Khabib, agora treinador do clã do Daguestão.
Charles do Bronx tem sido subestimado e rebaixado pelos russos. Numa de suas entrevistas recentes, Khabib disse que Islam vai brincar com Charles. O atleta da Chute Boxe/Diego Lima é mais comedido nas palavras e opta por responder no octógono. E nenhum peso-leve tem feito melhor do que o brasileiro nos últimos anos.
Islam será um desafio à altura. O russo é um wrestler de altíssimo nível e contabiliza dez vitória seguidas. No entanto, a maior delas veio diante de Dan Hooker, que ocupava a sexta posição no ranking quando se encontraram. Por ser o sucessor natural de Khabib, Islam não encontrou barreiras para ocupar as cabeças da categoria. Apesar de ser um atleta de alto nível, o representante da AKA sequer enfrentou um Top 5 na carreira.
Por outro lado, Charles já superou o que teve de melhor pela frente. Mas uma vitória sobre o russo teria um sabor especial: pela reconquista do cinturão e por calar aqueles mais duvidaram de sua capacidade. Humilde, carismático e resiliente, Charles é o campeão do povo. Aquele que o público brasileiro se afeiçoou com a figura e resolveu abraçar. E não poderia ser diferente.
Charles do Bronx é o rei sem a coroa. O monarca cai, se levanta, bate e vence. Tem a mente blindada e defende a monarquia dos que aspiram ao poder.