Venham, amigos! Sentem-se em volta da fogueira e escutem a história do guerreiro Po Atan e de sua batalha contra o Deus Adesanaya.
Reza a lenda que Tupã queria criar um herói que pudesse exaltar mundialmente a importância e o poder do indígena brasileiro. Mas, para que esse valente pudesse alcançar a glória, ele teria de enfrentar terríveis desafios e representantes de divindades de outros povos.
Tupã então fez nosso herói nascer entre os homens brancos e humildes, sem saber de sua origem nobre e do poder que a divindade havia colocado em suas mãos. Nascido em meio a uma tribo chamada São Bernardo dos Campos, o bebê recebeu o nome caraíba de Alexsandro Pereira. Sua vida nunca foi fácil e começou a trabalhar desde cedo. Quando era ainda bem jovem, os espíritos maus o apresentaram ao álcool como forma de desviá-lo de seu caminho. A poção sedutora e viciante mantinha o bravo entorpecido e poderia ser seu fim.
Foi aí que Tupã enviou Sumé, o Deus da Disciplina, para encaminhar nosso herói para a trilha correta. Sumé colocou um guia chamado Belocqua Wera no caminho de Alex, para treinar o predestinado para uma luta que só podia ser disputada em pé, e na qual a herança e os talentos do nosso herói começariam a aflorar. Os brancos a chamavam de kickboxing.
Uma vez dentro da arena de combates, o intrépido se livrou do álcool e descobriu que suas mãos tinham um poder sobre-humano, capaz de derrubar inúmeros adversários. Belocqua descobriu a origem indígena oculta daquele lutador diferenciado e foi inspirado por Tupã a renomear o seu protegido.
Daquele momento em diante, ele seria chamado de Po Atan (Poatan), que significa “Mão Forte”. Para marcar esse renascimento, Poatan tatuaria pedras em suas mãos, simbolizando aquele dom que os deuses lhe concederam.
Alex Poatan passou a conquistar troféus e a brilhar contra lutadores vindos do mundo inteiro. Entre eles, estava um jovem deus africano, que também estava aprendendo a lidar com seus poderes divinos na trocação. Chamado de Adesanya, o guerreiro núbio era talentoso e rápido. Em menos de um ciclo do planeta ao redor do sol, Poatan venceria Adesanya duas vezes, sendo a última com um nocaute brutal.
Com o tempo, os poderes da divindade nigeriana foram crescendo. Sua velocidade passou a ser a de um raio e sua movimentação era como a de um guepardo. Adesanya migraria para novas arenas, onde a luta era permitida também no chão. No solo sagrado octogonal do UFC, Adesanya foi coroado rei do peso médio e aterrorizou os humanos que cruzavam seu caminho.
Contudo, diferente do humilde guerreiro brasileiro, o deus nigeriano era muito vaidoso. Ele passou a se cobrir de ouro, a se vangloriar publicamente e a desdenhar dos súditos. Era preciso barrá-lo e Tupã determinou essa missão como a provação definitiva de seu enviado.
Poatan aprimorou a variação de seu arsenal para poder se adaptar às regras do UFC. No novo anfiteatro de combates, nosso herói voou para derrubar o representante de Zeus (o grego Andreas Michailidis) com uma joelhada fulminante; guerreou com um compatriota com o corpo quase fechado (o brasileiro Bruno Blindado) e obliterou o falastrão representante de Loki, o Deus das Mentiras nórdico (o americano Sean Strickland).
Era chegado o momento do desafio supremo. No UFC 281, nas terras da Nova York, Poatan enfrentaria o deus-rei, que estava sedento por vingança.
Na pesagem cerimonial, Alex começou a cumprir seu destino de Po Atan: compareceu com cocar e pinturas de guerra. O mundo inteiro falava sobre o aguerrido povo indígena brasileiro. Tupã sorria discretamente.
No começo do combate, a velocidade de Adesanya parecia ser um obstáculo intransponível. Enquanto o guerreiro brasileiro tentava, sem efetividade, usar todo o poder de suas mãos abençoadas, o Deus nigeriano conectava os melhores golpes. Ao cabo do primeiro round, Adesanya acertou um estrondoso relâmpago no queixo de Poatan e parecia que o joelho do guerreiro dobraria em reverência. Salvo pelo gongo, nosso herói não iria se entregar. Poatan respirou fundo, recuperou a proteção de seus ancestrais e voltou ao combate.
No assalto seguinte, o bravo soltou suas mãos de pedra e o deus africano sentiu um gosto de humanidade. Abalado, Adesanya perdeu o round e resolveu engolir seu orgulho. Decidiu invocar toda a experiência e variações do MMA que seu oponente ainda não tinha burilado, ao invés de só continuar na guerra em pé. O nigeriano levou Poatan ao solo, o anulou, cansou e maltratou nos dois rounds seguintes. No último round, Poatan precisaria invocar toda a força de Tupã e partir para cima da divindade africana se quisesse vencer.
Possuído pela energia de todo o povo brasileiro, o “Mão Forte” conseguiu colocar o vaidoso rival contra as grades e acertou uma sequência poderosíssima de socos para fazer jus a seu nome e nocautear Adesanya. O deus-rei havia sido destronado e o enviado de Tupã era o novo campeão do peso médio do UFC.
O que se viu foi uma celebração em todo o Brasil, do Oiapoque ao Chuí. Mesmo entre os rufares de tambores contagiados pela alegria da conquista, as estrelas nos dizem que esse não será o último feito do guerreiro Poatan. Novos desafios se seguirão, mas essas são histórias para uma outra ocasião…
* Mauro Ellovitch é promotor de Justiça, faixa-preta de Jiu-Jitsu e autor do livro “Sangue, Suor & Letras – Crônicas do MMA”.