Na escuridão do prédio do Departamento Estadual de Combate ao Narcotráfico (Denarc), duas botas encharcadas repousam perto de uma fogueira improvisada. São os calçados do faixa-preta Mohamed Jehad, 51 anos, policial em Porto Alegre com décadas de experiência.
Mohamed dorme pouco, como todos os seus companheiros e companheiras das forças de segurança no Rio Grande do Sul. “Mal a gente dá um cochilo, já acorda lembrando que tem gente precisando de ajuda. É um cenário de guerra”, reflete ele, em conversa via Whatss com o GRACIEMAG.com.
É tanto tempo sem folgar ou ir para casa que policiais já tentam levar com bom humor. É comum ele ouvir de colegas gracinhas como: “Bah, uma hora preciso dar uma pulo em casa, a mulher vai me largar e fugir com um barqueiro”. Mas a calamidade é séria e Jehad circula por toda Porto Alegre e arredores. Bote, moto aquática, a pé, viatura, helicóptero – ele já usou todos os meios.
Sua academia de Jiu-Jitsu na inundada São Leopoldo está firme – por incrível que pareça não alagou. Os professores de lá inclusive já ofereceram o espaço para aulas de outros faixas-pretas, de equipes irmãs e rivais, para ninguém deixar de treinar e ensinar. Jehad reflete sobre o poder da arte suave nessas horas:
“Diante desse quadro de desolação, a gente vê como o Jiu-Jitsu trabalha a mente e salva as pessoas. Os policiais que fazem Jiu-Jitsu são os que tomam à frente; os desabrigados que fazem Jiu-Jitsu são os mais resignados e determinados a dar a volta por cima; e os que fazem Jiu-Jitsu e não foram afetados são os voluntários mais aguerridos. Impressiona o poder do Jiu-Jitsu.”
A bota secou e Mohamed Jehad já cochilou. É hora de reunir a tropa e voltar às ruas cheias de água. Um sufoco. Mas como o Jiu-Jitsu ensina: vai passar.
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