Como o seu primeiro treininho revolucionou totalmente sua vida? No caso do pequeno Tiago Ferreira, isso aconteceu – e ele não esquece do fato. Após celebrar 30 anos de Jiu-Jitsu, o faixa-preta busca retribuir e repassar tudo o que aprendeu aos seus alunos.
Professor de sucesso na Austrália, onde foi para treinar por seis meses e acabou ficando, o ex-lutador de MMA conta suas histórias e episódios que o levaram a se apaixonar, todos os dias, pelos benefícios que o Jiu-Jitsu traz às pessoas de todas as idades.
Confira o bate-papo com o professor formado por Rilion Gracie, hoje líder da equipe Gracie Elite Brazilian Jiu Jitsu, aberta em 2009.
GRACIEMAG: Como você se apaixonou pelo Jiu-Jitsu, Tiago?
TIAGO “SHARK” FERREIRA: Dediquei toda a minha vida ao Jiu-Jitsu. Desde os 12 anos, quando comecei a praticar e fazer do esporte minha principal paixão, participei de inúmeras competições pelo Brasil. Cresci aprendendo com a família Gracie, e meus mestres, Rilion Gracie e Crolin Gracie, sempre nos ensinaram que nossa missão era usar a arte do Jiu-Jitsu para ajudar as pessoas a se tornarem melhores e levar esse legado ao mundo. Logo comecei a lutar MMA em Floripa, e passei a mostrar algumas técnicas para os amigos, a pedidos. Com o tempo, percebi, ao ensinar Jiu-Jitsu para eles, que eu adorava ensinar e tinha um certo dom. O que eu mais gostava era de ajudar as pessoas e observar como o Jiu-Jitsu podia transformar suas vidas.
Ainda lembra de seu primeiro treininho de Jiu-Jitsu?
Meu primeiro treino foi aos 12 anos, na academia Rilion Gracie, em Florianópolis. Apaixonei-me pelo esporte à primeira vista, mesmo sendo amassado por vários adultos maiores que estavam treinando naquele dia. Fiquei fascinado ao espiar os treinos, pois percebi que o tamanho não era um fator determinante no Jiu-Jitsu. No entanto, o que realmente me motivou a voltar para a academia no segundo dia foi uma conversa com meu mestre, Rilion Gracie. Eu era uma criança acima do peso e com pouca confiança, mas ele me fez acreditar que o Jiu-Jitsu poderia mudar minha vida. E, de fato, a partir daquele dia, o Jiu-Jitsu transformou completamente minha trajetória.
E você ensinou fora do Brasil, antes de ir morar na Austrália, correto?
Sim. Aos 20, mudei-me para a Califórnia e comecei a ensinar Jiu-Jitsu na academia do Carlos Valente, em San Diego. O retorno das pessoas foi extremamente positivo, com muitos dizendo que eu era um bom professor e tinha talento para isso. Esse reconhecimento consolidou minha decisão de seguir esse caminho.
E nunca mais repensou essa vocação?
Após voltar ao Brasil, formei-me em contabilidade, mas o Jiu-Jitsu continuava sendo minha verdadeira paixão. Continuei ensinando no Brasil, inclusive em uma empresa de segurança, oferecendo aulas para clientes e amigos. Além disso, tive a oportunidade de viajar para outros países para compartilhar essa arte marcial. Diante das dificuldades enfrentadas no Brasil, decidi levar o Jiu-Jitsu para o mundo, ajudando as pessoas por meio dessa arte maravilhosa que transforma vidas.
Como você foi parar no outro lado do planeta?
Quando me profissionalizei no MMA em Florianópolis, o esporte na minha cidade ainda engatinhava. Percebi então a necessidade de buscar experiência internacional como atleta e retornar ao Brasil com um currículo mais sólido. Sempre ouvi falar que a Austrália oferecia diversas oportunidades para competições, e foi isso que me motivou a me mudar para cá. O plano inicial era ficar por seis meses, em busca dessa vivência como lutador. A Austrália se revelou um país extraordinário, oferecendo tudo o que uma pessoa precisa para viver com dignidade.
Como era o Jiu-Jitsu por aí, na época?
Há 17 anos, o Brazilian Jiu-Jitsu ainda estava em seus estágios iniciais de desenvolvimento por aqui, com poucos faixas-pretas ensinando a arte. Isso me inspirou a permanecer um pouco mais, contribuindo para a disseminação do nosso esporte neste país incrível. Após um ano vivendo na Austrália, me apaixonei pelo estilo de vida e pela acolhida calorosa que recebi. Decidi, então, tornar a Austrália minha segunda casa, onde sigo trabalhando para promover e compartilhar os valores do Brazilian Jiu-Jitsu.
Como é o clima nos tatames da Austrália hoje?
Lembro que, quando cheguei à Austrália, me apaixonei imediatamente. O país me lembrava muito o Brasil em uma época mais segura e tinha várias semelhanças com Florianópolis, minha cidade natal. Tive a sorte de desembarcar em Sydney, uma cidade incrível, com praias deslumbrantes e um povo muito acolhedor. De certa forma, aquele clima me fez sentir em casa, pois se parecia bastante com os brasileiros. Ao explorar outras regiões da Austrália, percebi que este país era realmente único, com uma geografia espetacular. Suas praias e matas são diferentes de qualquer outro lugar que visitei, e o clima agradável torna tudo ainda mais especial. No verão, as praias e ondas me lembram Floripa, enquanto no inverno, é possível esquiar e aproveitar a neve, fato raro em muitos países. Quando comecei a ensinar Jiu-Jitsu na Austrália, fiquei impressionado com a receptividade e o talento do povo australiano para o esporte. Foi então que decidi abraçar a missão de compartilhar e ensinar essa arte marcial incrível, ajudando a difundir o Jiu-Jitsu neste país extraordinário.
O que tem aprendido de mais valioso ao ensinar Jiu-Jitsu tão longe de casa?
Uma das coisas mais valiosas que percebi ao chegar na Austrália foi o respeito e o valor que a sociedade ainda dá ao ser humano. No Brasil, infelizmente, temos observado uma crescente perda desses valores, com o aumento da criminalidade, da violência e mesmo da falta de respeito entre as pessoas. Embora a Austrália também tenha problemas, como qualquer outro lugar, a violência e a desconfiança aqui são muito menores em comparação ao Brasil. Sendo uma pessoa com fortes valores familiares e o desejo de construir minha própria família, percebi que a Austrália oferece um ambiente mais seguro e cheio de oportunidades. Criar minha família aqui não é apenas mais fácil, mas também mais viável, permitindo que eu proporcione a segurança e a qualidade de vida que eles merecem.
Como fã e espectador, algum combate inspirou você?
Uma das lutas mais marcantes que já vi foi entre Roger Gracie e Jacaré, há exatos 20 anos. Durante a luta, o Roger quebrou o braço do Jacaré, mas, surpreendentemente, ele não desistiu. Jacaré continuou lutando com determinação, mostrando uma força incrível, e acabou vencendo a luta. Essa experiência me ensinou uma lição valiosa sobre a importância de não desistir, de acreditar em si mesmo e superar a dor para alcançar a vitória. “Overcome the pain to be a champion” foi a mensagem que ficou gravada em mim. Essa luta marcou profundamente minha vida e me inspira até hoje a enfrentar e superar minhas próprias batalhas.
Onde vê a Gracie Elite daqui a uns anos?
Desde que cheguei à Austrália, há 17 anos, temos formado muitos faixas-pretas e, graças a Deus, nossa equipe continua crescendo. Olhando para o futuro, vejo um potencial incrível para o desenvolvimento da nossa equipe. Atualmente, a Rilion Gracie possui seis filiais na Austrália, e no próximo ano teremos mais duas. Queremos dobrar isso nos próximos anos e chegar a mais de 15 filiais, continuando a ajudar o povo australiano a aprender Jiu-Jitsu e a difundir as verdadeiras raízes da nossa arte marcial. Estamos comprometidos em manter viva a essência e os ensinamentos do Rilion Gracie, expandindo nosso impacto na Austrália e contribuindo para o crescimento do Jiu-Jitsu neste país incrível.
O Jiu-Jitsu mudou a sua vida. Como ele continua a mudar a realidade das pessoas?
O Jiu-Jitsu é uma poderosa ferramenta de transformação. Onde ele chega, ele muda vidas, ajudando as pessoas a se tornarem indivíduos que nunca imaginaram ser. Há inúmeros exemplos de vidas impactadas pelo Jiu-Jitsu, incluindo a minha própria. Essa arte marcial me transformou como pessoa e como indivíduo. Além disso, vi muitos amigos no Brasil passarem por mudanças profundas ao longo de minha caminhada na vida e no esporte. Um dos exemplos mais marcantes que presenciei foi a trajetória de um aluno. Quando começou no Jiu-Jitsu, ele pesava 110kg, sem autoestima, confiança ou ambições claras. Aos poucos, vi o Jiu-Jitsu transformar sua vida. Ele começou a perder peso, ganhou motivação, passou a competir, e sua rotina mudou completamente. Hoje, ele pesa 79kg e é uma pessoa totalmente diferente. Ele conquistou novos empregos, começou a namorar e alcançou objetivos que antes pareciam impossíveis. Esse tipo de transformação é, sem dúvida, uma das maiores recompensas de ser professor de Jiu-Jitsu. É um privilégio testemunhar mudanças tão profundas na vida das pessoas. Por isso, acredito que o Jiu-Jitsu está apenas começando a revelar seu potencial transformador. Nossa arte marcial é única, e sua capacidade de impactar vidas nos levará muito além.
** Confira, a seguir, o estilo de Tiago no Sydney Open, quando representava a escuderia da Gracie Humaitá na Austrália: