O sufoco. A pressão. A falta de ar. Seja um faixa-branca ou um astro do UFC, você sabe bem do que falamos aqui. Todos nós já estivemos em situações-limite, um beco escuro e apertado em que você se arrasta numa direção enquanto sua cabeça implora que você siga para o outro lado. Desde o primeiro treino, o Jiu-Jitsu nos ensina a buscar a calma necessária para avaliarmos a melhor saída.
Dar os três tapinhas pode ser uma delas, claro. Mas como ter certeza disso se quem batucou foi o desesperado que vive em você? A seguir, oito campeões da arte suave acima de qualquer suspeita vão ajudar você nessa instigante busca por respostas.
Rodrigo Minotauro
Ícone da calma, Rodrigo Minotauro foi capaz de manter seu plano tático mesmo com os 170kg de Bob Sapp caçando-o pelo ringue do Pride, em 2002. O macete: uma confiança inabalável no seu jogo, construída diariamente nos treinos em que, por exemplo, acostumou-se a fazer 100 repetições de chave de braço. Quando a oportunidade aparecesse na luta, Minota tinha certeza de que o golpe sairia no automático.
“Outra rotina era discutir com os treinadores cada aspecto do jogo do adversário e prever como ele poderia me colocar em risco. Com isso tudo debatido ao extremo, na horado sufoco você fica tranquilo, pois já visualizou a situação antes”, o peso pesado costuma explicar.
“Para manter a calma, é necessário acreditar na sua estratégia. Essa confiança é o que impede você de, numa situação terrível, abandonar o navio e largar o planejamento feito a troco de nada. Aprender a se tranquilizar ao ouvir a voz do córner também é um macete. Com fé nos treinadores,você divide a ansiedade”.
Sobre o treino em si, Minota ensina: “Eu procurava fazer um rodízio de treinamentos, com vários caras descansados. Treinava com um, com outro e no terceiro treino já estava morto, então tinha de ir na malandragem. É um bom sistema, a cada rodada você pega um cara fresco”.
É a velha lição de deixar a vaidade de lado na academia, para se tornar imbatível na luta à vera. “O segredo para manter a calma e escapar do sufoco, portanto, está nos seus treinos. Se você não toma pressão nos treinos, certamente numa hora difícil da luta não consegue virar. Quando passar por uma situação difícil, tem que estar acostumado com aquilo.”
Renzo Gracie
“O apavoramento é a última instância numa luta”, ensina o professor Renzo Gracie, referindo-se tanto ao Jiu-Jitsu como ao MMA. Mas, cá entre nós, a lição vale para qualquer batalha, qualquer momento de sua vida. O pavor e o pânico, na visão de Renzo, são fatais. Com sentimentos assim no comando, as chances de vitória são mínimas. Renzo já esteve no limite em diversas ocasiões.
No Jiu-Jitsu, no caso sem kimono, assustou-se quando o menino Marcelo Garcia ganhou suas costas, no ADCC 2003, e ameaçou sufocá-lo. Renzo assustou-se, sim, mas jamais se apavorou. Respirou fundo, tomou ar, e se livrou do afogamento pela onda Marcelinho. O que o levou a se livrar dos ganchos, defender o golpe e nadar em segurança até o fim do combate? O que o acalmou a ponto de lembrar a técnica que o permitiria sair vivo dali, ainda que derrotado nos pontos? A crença irredutível num dos lemas que veio de seu avô Carlos, e hoje também é defendido pelo primo Roger:
“O segredo de cada luta é a paciência. A pessoa tem que lutar mais com a mente do que com o corpo”. Certo de que o adversário pode estar quase derrotando seu corpo, mas sua cabeça é fortaleza impenetrável, o atleta desenvolve uma dureza mental que permite buscar nos labirintos das lembranças o jeito certo de defender o golpe.
Augusto Tanquinho
“Para mim, manter a calma significa manter a concentração. Costumo me concentrar pensando em todo o meu treinamento até o campeonato, em tudo o que passei no meu dia a dia, tento entrar na área de combate extremamente focado, colocando em prática o que realmente posso render, acreditando que nenhum adversário é invencível. O atleta precisa acreditar no próprio treinamento. Na hora do sufoco numa competição, eu costumo pensar que já passei por coisa pior durante meus treinos e que tenho todas as armas necessárias para me livrar da situação de perigo.”
Demian Maia
Marcelo Garcia nas suas costas ou Anderson Silva à sua frente, fintando golpes e xingando, o que você prefere? Inspire, calma. Este segundo caso de pressão total foi experimentado por Demian Maia, derrotado por Anderson via decisão dos jurados, em abril de 2010, no UFC de Abu Dhabi. Uma luta que rendeu lições. “Ele recorreu até a palavrões para me desestabilizar, fez coisas que eu nunca tinha visto na vida. Mas isso não me desconcentrou porque eu sabia que ia ser uma guerra mental, mais do que física”, contou Demian à época. Durante cinco rounds, ele jamais renegou sua estratégia nem partiu para o revide.
“Eu jamais podia atacar como um louco. Ele é lutador de contra-ataque, e provoca para o rival entrar no jogo. Eu sabia disso, e para me preparar treinei com sparrings que também me provocavam, me atiçavam nas horas complicadas. No fim das contas, acertei golpes nele e ganhei confiança, mas deveria ter começado a fazer isso antes. A lição que ficou é que pensar em vingança ao lutar é um tipo de pensamento que só tem dois resultados: ou você perde, ou faz algo parecido com o que vimos em Abu Dhabi. Nunca é uma vitória.”
Rômulo Barral
“O excesso de adrenalina consome totalmente o gás durante a luta. Existe muita pressão e a ansiedade pode acabar com qualquer lutador”, resume o tricampeão mundial de Jiu-Jitsu e ex-lutador do UFC Frédson Paixão.
Isso quer dizer que o pensamento pode desencadear uma série de fatores negativos. Podem atrapalhar as noites de sono antes dos desafios, diminuir drasticamente o gás durante a disputa, deixar o lutador apático, sujeito a se expor, e, por fim, aumentar o desespero na hora do aperto. Por outro lado, a força da mente pode ter efeitos benéficos. Por exemplo, deixar o atleta mais preparado para todos os momentos, pronto para achar a saída e escapar com rapidez e inteligência das armadilhas que aparecerem.
O macete é ensinado por um companheiro de Frédson, Rominho Barral: “Antes e depois da luta, procuro manter pensamentos positivos em todas as situações. A mente trabalha junto com o corpo no Jiu-Jitsu. Pode estar bem condicionado, forte, mas se a cabeça não estiver bem o corpo não acompanha. Então treine a mente e o corpo acompanhará”, comenta Barral. O faixa-preta explica a técnica que usa para deixar a mente preparada para os grandes desafios: “Tento visualizar o que farei, o ritmo que vou imprimir, o rosto do oponente, os momentos antes e durante a luta e, claro, meu braço sendo erguido no final. Procuro pensar sempre no que eu vou fazer, não tanto no que o meu adversário fará. Pensamentos negativos não podem passar na cabeça do atleta, pois atrapalham. Visualizar e mentalizar a luta é muito importante”.
Tática parecida é utilizada pela revelação do Jiu-Jitsu Marcus Bochecha: “Mentalizo tudo o que passei todos os dias para estar ali, tudo o que foi feito para eu ter chegado aonde cheguei. Penso em todo meu treinamento e ponho na
cabeça que estou preparado para aquele momento”. Repare que tais exercícios servem para diversas situações da vida, portanto comece a praticá-los hoje.
Álvaro Romano
“Me ajuda muito um método de respiração que aprendi com os professores Álvaro e Raphael Romano”, receita a professora da Gracie Humaitá Letícia Ribeiro. “São movimentos da ioga adaptados ao Jiu-Jitsu pela Ginástica Natural. É muito bom, sempre uso antes das lutas e depois dos treinos”. Depois da dica de Letícia, só nos restou ir à fonte, nosso colunista Alvinho Romano.
“A respiração para manter a calma é a respiração abdominal ou diafragmática. O importante é tentar respirar pelo abdome da seguinte forma: quando inspirar, dilatar o abdome e, quando expirar, contrair suavemente”, explicou Romano. Imagine uma garrafa, quando a enchemos de água. A garrafa fica cheia da parte de baixo para cima e, na hora de esvaziar, de cima para baixo. Com o oxigênio, funciona da mesma maneira. Primeiro enchemos a parte do diafragma de ar e por último estufamos o peito, para soltar o oxigênio o movimento é exatamente o contrário.
“Porém, esta respiração não é a ideal momentos antes de uma luta, pois ela relaxa muito e diminui o tempo de reação. Esta respiração é boa para o dia anterior, quando o atleta está ansioso, às vezes com dificuldade de dormir”, ressalta Álvaro. “Nos momentos antes de uma luta o ideal é a respiração abdominal de forma acelerada, para hiperventilar”, completa o especialista. “Já durante a luta, quando o atleta está se sentindo cansado, às vezes após um momento de pressão, o ideal é soltar o ar pela boca. Assim, você ajuda a diminuir a quantidade de ácido lático que é responsável pela fadiga. Esta é uma técnica que utilizo muito com os atletas que treino”
Frédson Paixão
Existem algumas formas de programar sua reação para os piores momentos. Já falamos da repetição de movimentos, sejam os de ataque ou de defesa. Mas, para complementar, nada melhor que os chamados treinos específicos. Como disse Roger Gracie, tricampeão mundial absoluto, é necessário sair da zona de conforto e se colocar em perigo, mesmo que isso custe ser derrotado num treino. É como treina Frédson Paixão. “Comece o rola com o cara nas suas costas, já com o estrangulamento encaixado. É preciso simular situações que podem acontecer na luta. Se você mantiver a calma no treinamento, na competição isso passa a ser algo normal, não te pega de surpresa e diminui o desespero. A sua mente já está treinada para esse tipo de situação”, resume o faixa-preta de Osvaldo Alves.
Alguns treinamentos desse tipo são bem conhecidos. Deixe, por exemplo, o companheiro de treinos trabalhar na sua meia-guarda entre um a dois minutos. Se ele passar a guarda ou finalizar, volte para a posição inicial. Se você repuser a guarda, raspar ou finalizar, também volte. Repita esse esquema com o companheiro imobilizando de diversas
formas, no cem-quilos, nas costas, na montada e em outras situações de risco. Michael Langhi dá um incrementada nesse tipo de treino específico: “Com o tempo, procure mentalizar que você já começou o treino atrás no placar. Então, além de sair do sufoco, a missão será reverter o placar. Defesa é tão importante quanto o ataque. Dessa forma, o atleta fica pronto psicologicamente para reverter placares adversos.”
Rafael Mendes
“Acredito que só conseguimos ficar calmos se estivermos treinados. Treino é sempre a base de tudo. Pratico muito situações específicas, com o parceiro começando em posições favoráveis a ele, como ataque pelas costas, cem-quilos, montada… Assim posso estudar as defesas e manter a calma para não dar oportunidades para o adversário alcançar as finalizações. O maior erro que um lutador de Jiu-Jitsu pode cometer é perder a calma e tentar sair de uma posição na marra, de qualquer jeito, no desespero. Se você fizer isso, provavelmente vai ser finalizado. O melhor é manter a concentração e trabalhar a defesa. Para isso é necessário confiança, e confiança nada mais é que a certeza de que estamos preparados para vencer.”
Michael Langhi
O afogado que se debate, aprendemos no Jiu-Jitsu, só vai mais rápido para o fundo. Helio Gracie sempre disse: “Eu não venço nenhuma luta. Meus adversários é que fazem força, cansam e perdem”.
Carlos Gracie pedia a seus alunos que procurassem treinar de boca fechada, para aumentar a capacidade pulmonar, ganhar fôlego e com isso deixar o cérebro oxigenado trabalhar melhor. A boca fechada, com o semblante sereno, prestava-se a um outro fator: minar o oponente psicologicamente.
Sim, como no pôquer, no Jiu-Jitsu você também precisa “enganar” o oponente o tempo todo, não demonstrar os sentimentos. Mesmo que, para isso, seja necessário encenar,como fez Michael Langhi. No Mundial 2010, o bicampeão mundial impressionou a todos quando tirou o kimono após a final, exibindo uma incômoda tala no ombro. “Todo mundo cansa ou sente alguma aflição ou dor. Eu já estive cansado ou lesionado em várias lutas. A fisionomia calma frustra o seu adversário. Ele ataca, ataca e, quando olha, você está tranquilo, sem aparentar desespero. É preciso ensaiar isso nos treinos”, declara Langhi.
O também levinho Frédson Paixão chama a atenção para outro artifício da encenação. “Muitos tentam enganar o adversário interpretando que estão bem. Mas também há os que estão em boas condições, mas fingem que estão mal, no bagaço. De repente, dão o bote com tudo e viram o jogo. Usam desse meio para enganar e é preciso prestar bastante atenção para perceber se é verdade”. Frédson tem um antídoto que costuma dar certo: “Quando olho no olho do adversário, já sinto se ele está angustiado ou nervoso, se é verdade ou puro teatro.”