As lições de vida e de Jiu-Jitsu de Demian Maia, após 20 lutas no UFC

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Demian Maia em ação. Foto: Carlos Arthur Jr/GRACIEMAG

Demian Maia em ação. Foto: Carlos Arthur Jr/GRACIEMAG

Em entrevista publicada na GRACIEMAG edição #217, o campeão de Jiu-Jitsu Demian Maia repassou o que aprendeu sobre a vida, sobre si mesmo e sobre técnicas ao completar 20 lutas no UFC. Aprenda com o exímio finalizador, neste artigo especial para o leitor do GRACIEMAG.com.

GRACIEMAG: Você completou 20 lutas dentro do Octagon do UFC. O que aprendeu ao percorrer essa estrada cheia de perigos?

DEMIAN MAIA: Aprendi muito, e uma das lições é que não se pode apontar nenhuma posição do Jiu-Jitsu como ineficaz no MMA. Lembro bem que no fim dos anos 1990 o pessoal dizia que a chave omoplata não funcionava numa situação real de luta, até que surgiu o Rodrigo Minotauro usando a omoplata com eficácia. Acredito que tudo funciona, com exceção, claro, de posições em que os lutadores agarram o pano. É só uma questão de adaptação. Claro que existem posições mais fáceis e outras mais difíceis, o importante é a mente aberta para tentar.

Você é um notório defensor dos treinos de defesa pessoal nas aulas de Jiu-Jitsu. A defesa pessoal está de fato sendo negligenciada em muitas academias?

Não divido o Jiu-Jitsu como esportivo ou de defesa pessoal, mas acredito que há de fato posições e fundamentos que o pessoal revê muito pouco. Dou como exemplo o basquete. Mesmo na NBA, com o mais alto nível, todo dia os jogadores treinam bandeja, certo? No Jiu-Jitsu tem de ser assim. Entendo que é normal passar a treinar mais as posições do Jiu-Jitsu dito esportivo, e aí o treino começa quase sempre no chão ou com os dois praticantes em pé agarrados. Mas há posições em pé cruciais no Jiu-Jitsu, pois ensinam a base, a postura em pé, detalhes para caminhar enquanto se procura defender de um soco, posições corretas para não se desequilibrar numa situação de briga etc. Ou seja, são elementos de uma luta que precisam ser estudados também. Por isso, na minha academia eu gosto de começar o treino repassando o básico, o que inclui técnicas de defesa contra agressões. Implementei um sistema na minha academia em que toda aula o aluno repete posições básicas, tanto em pé como no chão, para não ser surpreendido nas ruas, e o bom é que ele aprende e aquece a musculatura ao mesmo tempo. Repetir os fundamentos é importante porque com o tempo o lutador se especializa num tipo de jogo, e acaba nunca mais repetindo aquela técnica básica, que muitas vezes é fundamental e pode salvá-lo.

O que você aprendeu em sua primeira luta de MMA, aquela contra um rival bem mais pesado na Venezuela, em 2001?

Na verdade tenho uma primeira luta que nem costumo divulgar, em 1996, pois ainda estava experimentando o que era o vale-tudo. Eu tinha 18 anos e estava havendo um evento num barracão em São Paulo, fomos lá e eu também finalizei, sem luvas nem nada. Eu era um magrelo, estava com 70kg, hoje peso 90kg! Já na Venezuela, o cara era um wrestler realmente grande mas ninguém me conhecia, era interessante lutar sem nenhuma pressão. Lembro que o meu oponente inicial sumiu, disse que não iria lutar, e apareceu aquele grandão, Raul Sosa. Ou seja, eu iria enfrentar um cara de 90kg e apareceu um oponente de 120kg. Fiquei preocupado, mas deu tudo certo: consegui derrubá-lo e ir para as costas, pus os ganchos e fiquei socando. Ali o juiz interrompeu, nocaute técnico.

Em agosto de 2014 você teve um problema no ombro que forçou o cancelamento de sua luta com o Mike Pyle. Que lições tirou desse susto?

Tudo é aprendizado. Eu gostaria de ter lutado em São Paulo, mas acredito que tudo tem um porquê, então procuro não lamentar nada, só agradecer pelo caminho até aqui. Tive primeiro uma lesão no ombro, precisei fazer uma infiltração mas me senti bem e decidi treinar. O resultado foi que tive uma infecção bacteriana que acabou se espalhando pelo osso do ombro. O que mais se aprende com um problema desse tipo é que muitas vezes a gente dá importância demais ao que não é tão importante, e deixa de lado coisas muito mais importantes. Fui internado três vezes e houve uma fase em que os médicos não sabiam o que estava acontecendo, e isso assusta, faz a gente pensar nos filhos, na família, e em como seria para todo mundo se a gente não estivesse mais aqui um dia. Ao refletir sobre a vida, depois de superar tudo a gente passa a agir de uma forma um pouco diferente.

Você está sempre de olho nos grandes campeonatos de Jiu-Jitsu. O que acha dessa nova geração do esporte, capitaneada por monstros como Marcus Buchecha, Rodolfo Vieira e outros?

A primeira vez que tive a chance de ver o Buchecha e o Rodolfo em ação, em Abu Dhabi, fiquei impressionado. O Jiu-Jitsu certamente segue evoluindo e tem muitos outros atletas habilidosos. O que me chama a atenção é como algum dos caras da minha geração continuam lá no topo, como o Rominho Barral, o André Galvão, o Bráulio. O Jiu-Jitsu também permite essa longevidade que talvez a gente não encontre tanto no MMA. No Jiu-Jitsu, a velocidade, a juventude e o reflexo às vezes não pesam tanto, e você está sempre aprendendo, pois há 300 mil formas de se ganhar uma luta. Estava gravando o programa do “TUF Brasil” lá na Califórnia e quase consegui dar um treino com o Keenan Cornelius, estava amarradão com isso. Mas infelizmente quando fui lá na academia do Galvão o Keenan estava com uma infecção no olho.

E as posições novas? Você se incomoda com berimbolo e outras técnicas atuais?

Gosto muito das lutas dos irmãos Miyao, inclusive nas lutas que vi eles lutaram de forma bem ofensiva, tentando ir para as costas e finalizar. Isso é legal. O que geralmente não gosto é quando um atleta bota o outro numa guarda 50/50 da vida e fica nove minutos esperando para raspar no fim. Isso é chato e acho ruim para o esporte.

Como você encarou as notícias de doping relacionados a Jon Jones e a Anderson Silva? Isso pode manchar o esporte?

Acho cedo para falar isso. São dois grandes ídolos do esporte, claro, mas casos de doping não são assim uma grande novidade, já vimos isso acontecer outras vezes com outros astros. No caso do Jones pode ser um problema de vício, e no do Anderson ainda precisamos acompanhar o desenrolar dos fatos. O estardalhaço ao meu ver está ocorrendo porque a mídia não especializada, que não falava muito de MMA, está repercutindo muito e a repercussão aumentou.

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