Sou faixa-marrom de Jiu-Jitsu e promotor de justiça em Minas Gerais.
Muitas pessoas não sabem, exatamente, o que faz um promotor de justiça. No Brasil, o Ministério Público é uma instituição que, pela nossa Constituição, tem o objetivo de defesa da sociedade. Não tem qualquer vinculação ou subordinação política. É independente e não pode atender interesses particulares de ninguém. Promotores de justiça são admitidos por concurso público e sua atuação é limitada apenas pela lei. Resumidamente, as atribuições do promotor de justiça são: fazer a acusação nos processos criminais; atuar em defesa do meio ambiente, dos direitos coletivos dos consumidores, dos menores, dos idosos e dos portadores de necessidades especiais; combater a corrupção e defender outros direitos sociais e individuais indisponíveis. Como vocês podem imaginar, não são tarefas fáceis.
Tenho muito orgulho de ser promotor de justiça. E tenho certeza de que os meus anos de prática de Jiu-Jitsu me ajudam a entender e a desempenhar melhor minha missão. O verdadeiro Jiu-Jitsu ensina a manter o controle em situações adversas, respeitar companheiros e oponentes, aprender com quem tem mais experiência, estar sempre se aprimorando, saber que ganhar não é tudo, não se intimidar com as dificuldades e nunca desistir. Qualidades que me ajudam na minha profissão.
Quando fui fazer meu primeiro júri, quase dez anos atrás, não senti tanto a pressão de vestir a beca e apresentar duas horas de acusação para um júri de sete cidadãos em um salão lotado. Afinal, eu já havia passado por tensão semelhante quando vesti o kimono para disputar campeonatos de Jiu-Jitsu contra adversários mais experientes, em ginásios abarrotados. O autocontrole e o foco da arte suave facilitaram meu desempenho no júri e garantiram a condenação de assassinos perigosos.
O respeito próprio das artes marciais me ensinou a trabalhar bem com outros promotores, juízes, advogados e mesmo com os réus. Xingar ou destratar um acusado não vai ajudar a condená-lo ou a obter justiça. A vitória nos tatames ou nos tribunais vem do estudo, de um trabalho técnico bem feito e de acreditar no que está fazendo.
Replico a disciplina, os treinos intensos e o aprendizado com meus professores de Jiu-Jitsu em meus estudos de Direito e minha dedicação nos processos. Leio meus livros jurídicos com o mesmo interesse com que aprendo uma nova finalização. Passo madrugadas escrevendo uma ação, como passo horas repetindo uma raspagem. Aprendo com obras dos mestres José Afonso da Silva (direito constitucional) e Claus Roxin (direito penal) como se participasse de um seminário com Helio Gracie ou Flavio Behring. No Jiu-Jitsu e no Direito, sei que se não me aprimorar eu serei superado.
A ética da arte marcial é fundamental para um bom profissional, para um bom promotor. O que importa não é “vencer” a qualquer custo. Se para ganhar uma luta, alguém trapaceia e busca a saída mais fácil (doping, golpe ilegal, luta com resultado armado) ele não pode ser considerado um lutador de verdade, um artista marcial. Da mesma forma, um legítimo promotor não pode buscar alternativa covarde para encerrar um processo. Se houver indícios de crimes ou ilegalidades, mesmo que praticadas por políticos, empresas milionárias ou outros interesses influentes, não pode se acovardar para não sofrer desgaste. Em compensação, se estiver provado que o acusado é inocente, o promotor deve pedir a absolvição em vez da condenação cega. Deve sempre batalhar e recorrer até obter um resultado eficiente para a coletividade.
Não faltam em nossa carreira situações de pressão e adversidades piores do que ficar debaixo da montada de Roger Gracie. Cobranças pela imprensa, juízes desinteressados ou excessivamente formalistas, processos demorados, compra e intimidação de testemunhas, ameaças de traficantes, dificuldade de obter boas provas técnicas, e essas são apenas algumas delas. A arte suave me ensinou a manter a calma sob desvantagem, não desesperar e tentar reverter a situação.
Mais do que tudo, o Jiu-Jitsu me ensina a não desistir.
Mesmo quando vejo as notícias de corrupção; o despreparo cívico e eleitoral do país; a falta de políticas públicas para saneamento e educação; o enfraquecimento das leis para defesa do meio ambiente e da segurança pública, não deixo de lutar e de me apegar a uma máxima de Carlos Gracie:
“Ter a firme convicção de que o mundo estará ao teu lado, enquanto te mantiveres fiel ao que há de melhor em ti”.
E você, como o Jiu-Jitsu o ajuda a ser um profissional melhor?