Em nossa edição #221, GRACIEMAG entrevistou a atual rainha absoluta do Jiu-Jitsu mundial, a faixa-preta Dominyka Obelenyte. A estrela da Alliance explicou como uma menina que vestiu o kimono um pouco desconfiada se tornou uma das melhores lutadoras do mundo.
Confira as lições da lutadora de 20 anos, treinada por Marcelo Garcia e que vem sendo comparada com uma espécie de Roger Gracie de saias.
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GRACIEMAG: Como e onde você começou a treinar Jiu-Jitsu? Seu primeiro contato com as lutas foi com seu professor Marcelinho Garcia?
DOMINYKA OBELENYTE: Não. E, ao contrário do que muita gente pensa, não sou americana nem brasileira. Nasci e fui criada por meus avós em Kaunas, na Lituânia, até os 6 anos. Foi quando me mudei para Nova York para voltar a viver com meus pais. Comecei a praticar artes marciais porque na minha escola havia umas figuras estranhas que poderiam se tornar potenciais agressores, e meu pai fez questão de me matricular logo em aulas de ju-jitsu japonês. Quando nos mudamos para Nova Jersey, aos 9 anos, não conseguimos encontrar uma academia similar, então meu pai localizou uma escola de Jiu-Jitsu brasileiro a 20 minutos de casa, de carro. Fiz a primeira aula, achei aquilo muito esquisito, mas adorei – era esquisito como eu. Mesmo um pouco desconfiada, decidi embarcar naquela jornada e ver até onde as aulas me levariam. Hoje sou satisfeitíssima por ter optado por isso, pois as recompensas dessa experiência têm sido incríveis.
Você suspeitava que venceria o Mundial, logo em seu primeiro ano como faixa-preta?
Tive um momento ruim antes do NY Open da IBJJF, em abril, e passei a duvidar de mim. Eu tinha acabado de ganhar a faixa-preta das mãos do Marcelinho, e a uma semana do torneio eu estava bem para baixo, porque me sentia exausta por lutar e fazer dietas e precisar controlar meus nervos e emoções. Lembro de ter dito a amigos que eu só queria que o Mundial chegasse logo para eu acabar com isso e relaxar. Mas chegou o NY Open e acabei por vencer minha categoria de peso (pesado) e o absoluto. Então me senti bem melhor, pois eu havia arriscado bastante coisas nas lutas e fiz meu jogo sem jamais amarrar. Isso me deu uma confiança renovada de que eu poderia chegar ao Mundial com uma atitude vitoriosa. Certamente a campanha no aberto de Nova York me ajudou a chegar com a mente tranquila e bem concentrada em cada luta no Mundial.
Algum momento curioso no Mundial, já que você era uma caloura entre tantos ídolos seus?
Poderia ficar um dia inteiro respondendo essa pergunta. Que tal minhas conversas sobre contabilidade e economia com a Tammi Musumeci, minutos antes de lutar com ela nas quartas de final do absoluto? Bom, talvez a melhor história tenha sido durante o exame antidoping, quando cantei Michel Teló (“Ai se eu te pego”) para os brasileiros no vestiário, enquanto a gente esperava. Uma hora e meia depois, saí e não tinha ninguém no ginásio, fiquei bem aflita. O pessoal estava lá fora me esperando, com balas ainda por cima. Mas eu ainda estava sob encanto, não conseguia internalizar que havia conquistado um sonho tão grande, um objetivo que eu tinha desde que comecei a treinar.
Na final do absoluto, você dominou Monique Elias, outra jovem talento da nova geração da Alliance, uma das competidoras mais duras que há hoje. Qual é a sua receita para vencer no Jiu-Jitsu?
Não existe receita, acho. É até engraçado: um amigo de academia me perguntou quando foi que enfim eu fiquei confortável ao lutar em campeonatos. Pensei e respondi honestamente que foi na faixa-preta, porque só agora passei a usar minhas técnicas e meu jogo sem temores. Acho que a regra de ouro no Jiu-Jitsu não é ter os maiores músculos, os melhores berimbolos, a dieta mais rígida ou o melhor preparo físico. O principal é perseverar nos treinos até que as coisas se tornem mais fáceis para você durante uma luta. Houve muitos momentos em que pensei em parar de treinar, quando era mais nova. Foram tempos em que o Jiu-Jitsu me pareceu duro demais, e me fazia parecer uma adolescente meio anormal perto das outras. Mas vencer esta dor e todas as outras pedreiras que apareceram no meu caminho só me fizeram uma pessoa mais forte, uma lutadora melhor.
Você é dona de várias omoplatas inovadoras, e mostrou um jogo esquisito em sua campanha no Mundial 2015. Como você definiria o seu jogo?
Esquisito! É, acho que você pode definir meu jogo assim. O que acho mais estranho é que sou guardeira na academia, eu penso que meu estilo mais dominante é fazendo guarda, mas no Mundial não consegui jogar por baixo, aceitei a luta por cima e me dei bem. Adoro minha guarda, que vejo como uma mistura de De la Riva/Aranha/Fechada e guarda-X! Eu tenho mesmo um estilo esquisito de finalizar. E, no fundo, adoro isso, afinal as minhas oponentes não sabem o que está acontecendo até sentir o desconforto e darem os três tapinhas.
O Mário Reis, marido e professor da Monique, definiu você como a “Roger Gracie de saias”, pela sua altura e pernas compridas…
Aceito a comparação, afinal é sensacional ser comparada ao Roger Gracie! Acho que ele está correto. Sou comprida e uso minha altura como vantagem, e as pernas longas para aplicar as omoplatas. Tenho uma caraterística de não ser muito rápida em minhas posições, prefiro usar a pressão e o legdrag contra as meninas, especialmente as menores e mais rápidas do que eu.
E agora? O que enxerga no seu futuro próximo?
Definitivamente prevejo que no ano que vem algumas das meninas que venci venham para cima de mim com armas ainda mais poderosas. Mas penso apenas em continuar melhorando, desenvolvendo meu jogo. E vou buscar manter minha boa campanha em Mundiais, tentar não perder. Quero mostrar às pessoas que essas medalhas não foram acidentais, e que cheguei aqui para ficar.
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