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Todo lutador de MMA possui um inimigo perverso. Mais cruel que o uppercut de Francis Ngannou e mais impiedoso do que o mata-leão do brasileiro Demian Maia, esse inimigo faz qualquer homem ou mulher da elite do UFC cansar, suar, se desgastar, sacrificar a saúde, chegar à exaustão, pensar em desistir e até chorar.
Sem dúvidas, o primeiro e mais desalmado adversário de todos os profissionais do esporte é a balança. Para alcançar o limite de peso de suas respectivas categorias, atletas passam por um exaustivo processo de dieta, exercícios e desidratação poucos dias antes de lutar. Na véspera da pesagem, utilizam roupas especiais, saunas e banheiras com sal para transpirarem os últimos quilos restantes. Não raro precisam se despir ou até mesmo rasparem cabelos para se livrarem daqueles indesejados gramas finais. Tudo isso requer planejamento, disciplina, sacrifícios e força de vontade. Uma outra batalha a ser vencida.
Por isso é tão injusto e antiprofissional quando um lutador chega à véspera de uma luta para a qual teve meses para se preparar e não consegue bater o peso. Especialmente quando fica mais de um quilograma acima do limite.
Quem pratica Jiu-Jitsu sabe que, quando se está por baixo na posição de controle lateral, cada quilo a mais do adversário (desde que bem distribuído) parece pesar uma tonelada. Daí o nome popular da posição, “cem-quilos”. Todavia, não é só a diferença de peso em si que afeta a paridade entre oponentes. Todo desgaste a mais que um atleta sofre durante o corte de peso reflete em seu vigor durante a luta. O tempo gasto com emagrecimento programado poderia ter sido utilizado em treinamentos. Muitas vezes, a recuperação não é completa até o dia seguinte e o profissional não tem alternativa senão lutar aquém de sua capacidade máxima.
Por todas essas razões, entendo não ser suficiente que a organização apenas “multe” com um naco da bolsa atletas que não conseguem atingir o limite de peso. É lógico que o UFC não quer o cancelamento de lutas e a desfiguração de cards, deixando milhões de dólares à mercê da imprevisibilidade. Porém, os lutadores que agiram corretamente não podem ser prejudicados por isso.
Apenas em 2018, craques como Kevin Lee, Mackenzie Dern, Darren Till e Yoel Romero se apresentaram acima do peso de suas categorias e venceram importantes confrontos que poderiam mudar suas carreiras – e, por suposto, as de seus adversários.
Romero é um caso particular. No UFC 221, realizado em fevereiro deste ano, o cubano ficou 1,4kg acima do permitido e, ainda assim, foi autorizado a enfrentar Luke Rockhold na luta principal do evento. Rockhold, ao receber as brutais pancadas que o levaram à inconsciência no terceiro round, deve ter se arrependido de ter aceitado lutar sob tais condições. Se não foi naquele exato momento, com certeza se arrependeu logo depois, quando foi beijado por Yoel, que tentava consolá-lo.
Por não ter ocorrido em condições de igualdade, a vitória de Romero não deveria ter sido considerada para credenciá-lo à disputa de cinturão. O UFC deveria ter buscado um desafiante entre os outros talentos da categoria (Gastelum, Jacaré, Weidman), ou dado nova chance a Rockhold. Mas eis que a organização do evento, premiando a irregularidade, anunciou Yoel Romero como adversário do campeão Robert Whittaker na luta principal do UFC 225.
E assim, às vésperas de um dos maiores eventos do ano, qual não foi a surpresa quando, novamente, Romero apresentou-se acima do limite de 83,9kg. Mesmo assim a disputa foi mantida, só que sem valer o título. Uma frustração gigantesca que bem poderia ter sido evitada.
Para quem ligava a TV sem saber de nada, contudo, a luta em si acabou sendo sensacional. O campeão iniciou melhor o combate e ganhou os dois primeiros rounds com tranquilidade. No terceiro round, o corajoso Whittaker foi surpreendido por uma colossal patada do gigantesco cubano e quase apagou. Recuperou-se no quarto round, porém sentiu cada grama a mais do cubano num duro soco no último round e precisou mostrar muita coragem e resistência para sobreviver. Ao final, Whittaker ganhou por decisão dividida dos jurados. Ou seja, passou-se muito perto de consagrar-se de vez a falta de profissionalismo de Romero.
Algo precisa mudar. Mas qual seria a solução?
Uma das sugestões volta e meia ventilada é de que a pesagem ocorra no próprio dia da luta. Tal método foi utilizado pela lenda Rickson Gracie em evento que o faixa-coral organizou em 2012. Assim, reduzir-se-ia o estímulo para o lutador realizar grandes cortes de peso, levando-o a atuar mais próximo de sua condição natural para não entrar debilitado no combate. O problema é que alguns atletas continuariam a não bater o peso e mais lutas seriam canceladas, mantendo o dilema do UFC entre ser correto com os atletas e evitar prejuízos econômicos.
Outra hipótese é a criação de novas categorias de peso, diminuindo a diferença entre as divisões e a necessidade de grandes cortes. Entretanto, argumenta-se que o UFC não tem plantel suficiente para manter tantas categorias interessantes e competitivas. Vide o peso-pena feminino e a dificuldade de encontrar oponentes para Cris Cyborg.
A solução que mais me agrada é a de tirar pontos dos lutadores que não baterem o peso. Eles já entrariam no octógono com o débito de um ponto para compensar a vantagem indevida. Esse sistema é utilizado pelo Jungle Fight. Presidente do Jungle e ex-lutador, Wallid Ismail conhece a realidade do combate e defende sua metodologia como a mais justa para os atletas: “Se o atleta fica 1kg acima, ele perde 1 ponto. Se fica acima de 2kg, já são 2 pontos perdidos. Acima disso, o atleta só luta se o adversário permitir, porque ele pode ser automaticamente desclassificado se ficar acima de 2kg do peso permitido. O oponente precisa ‘pedir’ para o outro lutar e nós estudamos caso a caso. Mas a tolerância é de 2kg. E, caso o adversário permita, o atleta acima do peso perde 20% da bolsa e começa o embate com 3 pontos perdidos. O atleta precisa ser profissional, por isso o Jungle Fight age dessa maneira. O atleta que não for profissional e não bater o peso não pode ter vantagem na luta”, disse Wallid, em entrevista feita antes do Jungle Fight 93.
Não se sabe qual será a saída adotada por Dana White e companhia. O certo é que não adianta ignorar o elefante na sala, pois este problema de peso continua a trazer consequências, digamos, esmagadoras para todo o esporte.