O faixa-preta Diego Herzog, 41 anos, é uma espécie de Kevin Bacon do Jiu-Jitsu mundial. Bacon ficou conhecido como o ator que, versátil e de mente aberta, contracenou com meio mundo de Hollywood, talvez três quartos.
Pois Diego, o popular Nosferatu, tem a honra de poder dizer que enfrentou quase todas as grandes estrelas do Jiu-Jitsu do começo do século XX, de Roger Gracie a Caio Terra, de Rodolfo Vieira a Lucas Lepri, de Leandro Lo a Xande Ribeiro – e seus alunos hoje só o agradecem por isso.
Respeitado peso pesado catarinense, Diego Herzog estava disputando mais uma medalha na Califórnia quando recebeu convites para ficar e ensinar. Foi assim que abriu sua equipe, a Silicon Valley BJJ, em Sunnyvale.
Boa praça e sorridente apesar do apelido aterrorizante, Nosferatu conversou com nossa equipe sobre os rumos da carreira, enquanto tentava evitar as mordidas no dedo de sua mais amada aluna: a filhota Dakota, de 5 meses, postada em seu colinho.
GRACIEMAG: Como o temível Nosferatu foi pousar nesse ensolarado pico da Califórnia?
DIEGO “NOSFERATU”: Vim lutar o Pan da IBJJF em 2010, e já estava com essa proposta de trabalho engatilhada de ajudar a abrir uma academia. Fiquei uma semana treinando em Los Angeles com meu amigo Bruno “Mamute”, fiquei em terceiro lugar e já vim direto. Achei tudo muito grande e corrido em Los Angeles, já que sou de Floripa e gosto de um lugar mais calmo. Como se vê me adaptei bem, estou há quase 15 anos na região. Agora me tornei pai de uma menina e agora quero dar o bom exemplo a ela. Hoje tenho essa satisfação quando penso que, em cada cidade importante do planeta, há sempre um professor, normalmente brasileiro, ensinando o bom Jiu-Jitsu.
Como nasceu o seu nome de guerra, “Nosferatu”?
Nos tatames, é claro. Sou aluno do hoje mestre faixa-coral Eduardo “Gavião” Ommati, um dos pioneiros no sul do Brasil e clássico aluno de grande mestre Fernando Pinduka. Comecei a treinar com 15 anos, tinha a cara cheia de espinha e acabava com o rosto sangrando e o kimono dos colegas cheio de manchas. Mestre Gavião não perdoava: “É o sangue do Nosferatu!”. O curioso é que existia outro Nosferatu no Jiu-Jitsu, o grande veterano dos tatames Eulindo “Nosferatu” Leão, grande amigo do Gavião no Rio de Janeiro. Anos depois, quando fui lutar no Rio de Janeiro, fomos apresentados e rimos muito.
Você teve essa chance de competir com meio mundo, sempre no peso e no absoluto. Já se aposentou como atleta do adulto?
Não, e olhe que ainda quero lutar um Mundial de Jiu-Jitsu da IBJJF, para conferir com esta garotada de hoje.
Que duelo foi o mais memorável e rendeu lições mais valiosas?
Lembro de grandes lutas que fiz com o Gabriel Vella, e daquele quedão marcante que apliquei no Romulo Barral, no Mundial 2010 da IBJJF. Mas foi provavelmente ao lutar com o Roger, naquele mesmo ano, quando aprendi mais. Sempre acreditei que no Jiu-Jitsu a boa técnica sempre seria superior à força bruta, e em nosso confronto enfim tirei isso à prova. Eu tinha vencido minha primeira luta no absoluto, contra um cara bem grandão, e enfrentei o Roger. Tentei dar uma queda, e acabei por baixo, na meia-guarda, eu na frente no placar por uma vantagem. Tomei um amasso tremendo, no maior sufoco, e bati no estrangulamento relógio. Roger ensinou a gente a lutar sempre para a frente. Lutei também contra o Yuri Simões, grandes combates e muito instrutivos.
O que aprendeu com rivais como Xande e Leandro Lo?
Com o Xande Ribeiro aprendi sobre pressão, e sobre o simples que funciona. O Leandro Lo tinha o Jiu-Jitsu mais ensaboado que já vi, sem kimono. Depois ele apareceu para um seminário e dei um grande treino com kimono. Uma pena ele não estar mais presente aqui para nos inspirar e ensinar.
Como foi o seu começo em Floripa?
Vesti o kimono pela primeira vez em fevereiro de 1999, levado por meu amigo Daniel “Urso”. Até ali a gente gostava de assistir ao UFC e sempre se embolava, na garagem de casa, no meio do gramado, atrás da biblioteca. Lembro até hoje do primeiro triângulo que ele me arrochou, na galega. Era melhor começar a treinar numa boa academia, né? Comecei com o mestre Gavião e não parei nunca mais. Em 2005, estava meio de estrela solitária na academia e passei a treinar com o pessoal da Gracie Floripa, do mestre Crolin, com o professor e competidor Alexandre Souza. Naquele tempo eu gostava de criar treinos específicos, defender e contra-atacar, como aprendi com mestre Gavião, e uso alguns até hoje.
Você sempre sonhou com o MMA e chegou ao Bellator. O que aprendeu como profissional?
Fiz minha estreia nos ringues em 2003 como faixa-roxa, já que era meu sonho desde os primeiros embolas lá com o amigo Urso. A modalidade ainda se chamava vale-tudo, outros tempos. Depois cheguei a lutar até na China. Valeu muito, e até hoje vejo a defesa pessoal e as técnicas anti-agressão como fundamentais para cada aluno ou aluna faixa-branca. E eu sou uma prova viva disso. Há um bom tempo, eu estava jogando sinuca numa boa, dois caras começaram a discutir e vieram para cima de mim com os tacos – dois contra um, na covardia. Se eu só soubesse o Jiu-Jitsu de competição e não fosse um faixa-preta completo, acho que teria tomado um prejuízo dos dois, mesmo treinando Jiu-Jitsu. Mas me defendi tranquilamente, dominei os dois e evitei a situação.
O que motiva você a acordar e dar aulas hoje?
Percebi há uns 20 anos que alguns valores do Jiu-Jitsu seriam essenciais para sempre, e para todos. Itens como a necessidade de fugir do sedentarismo, de evitar ficar diante da tela – da TV, do computador ou celular – e se conectar com a natureza. Hoje gosto de ensinar o bom Jiu-Jitsu para ajudar as pessoas a terem a mente mais tranquila, com treinos diversificados para que eles tenham hábitos saudáveis, e realizem aquele 30 minutinhos de exercícios diários. Jamais pensei em ficar rico, mas sonho em espalhar saúde para a comunidade.
O Nosferatu curte filmes de terror?
Já vi o filme “Nosferatu”, a versão de 1979 – por acaso dirigido por um Herzog – Werner Herzog – veja você. Mas não gosto do estilo, ainda mais de noite. Meu estilo é mais ensolarado, gosto de acampar, jogar xadrez, futebol e surfar. De noite na TV, eu gosto mesmo é de comédia – vejo muita comédia brasileira para matar saudades.