Felipe “Zicro” Neto e os ensinamentos do Jiu-Jitsu para a vida toda

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Luiz Felipe Neto, faixa-preta da Alliance desde 1998, formou-se em educação física, surfou, treinou judô, jogou futebol e não faz feio no futevôlei na praia, entre tantos esportes que admira.

Mas, após mais de 30 anos como profissional da arte suave, ele não tem dúvidas: “Não há lugar melhor para se fazer boas amizades do que o tatame de Jiu-Jitsu”, garante o professor formado por Romero “Jacaré” Cavalcanti.

Felipe, que ganhou seu apelido “Zicro” pela admiração que nutria pelo fino meio-campo Zico do Flamengo, esteve sempre perto dos tatames. Quando jogava bola, ia muito ao clube Federal, onde um jovem campeão chamado Fabio Gurgel ensinava a arte suave.

“Comecei a treinar ali pelos 17 anos, em 1989. Costumo dizer que treino há tanto tempo que só existiam dois tipos de guarda – aberta ou fechada. Triângulo? Só da guarda. Hoje, nos torneios, ringues e academias o povo arrocha o triângulo de todas as posições possíveis e inimagináveis”, recordou Zicro, em entrevista ao BJJ Fanatics Podcast. Hoje, ele dá aulas em Talahassee, na Flórida, para onde zarpou em 2007, deixando para trás sua vida esportiva no Leblon, no Rio de Janeiro.

Felipe Zicro viu, assim, todas as revoluções da guarda. De aberta ou fechada, nasceram 1001 modos de usar o jogo de pernas, e hoje ele se diverte tentando catalogar tudo na cabeça: “Hoje são tantos tipos de guarda eficientes, e todo ano surge um bicho novo. Temos a guarda borboleta, burrico, tartaruga. Até a guarda minhoca…”

A espécie que marcou sua trajetória, contudo, foi um réptil. Romero “Jacaré”, seu mestre, começou a ensiná-lo em Ipanema, na velha academia construída no espaço de um teatro desativado. Zicro não parou mais.

Romero Cavalcanti era um jovem em plena forma, que treinava com seu professor Rolls Gracie desde 1974, portanto há 50 anos. Em 1982, Rolls faleceu num acidente de asa delta e Romero ficou com o espírito abalado, sem vontade de vestir o kimono novamente. Passou a se desafiar em outras frentes, mares e trilhas, e em 1983, aos 30 anos, completou o Iron Man no Havaí. O espírito se fortaleceu e Romero se reergueu, e percebeu que sua missão estava mesmo nos tatames.

Zicro aprendeu com o mestre como o Jiu-Jitsu era capaz de mudar vidas, apagar traumas, fortalecer mente e espírito.

“Comecei há mais de 35 anos. Hoje percebo que o Jiu-Jitsu é uma jornada que não tem fim. O que importa é a consistência nos treinamentos, para você subir todos os dias um degrau, e não parar de treinar nunca. A nossa meta, no fim das contas, é sermos bons exemplos, para influenciar de modo positivo os colegas, alunos, filhos e parentes”, disse o professor.

Felipe viu e viveu de tudo no Jiu-Jitsu. Mas não esquece até hoje o sentimento da primeira vez que competiu.

“Meu primeiro torneio foi em Teresópolis, na faixa-branca mesmo”, lembra o professor da Alliance. “E meu adversário foi outro cara que chegou longe – o Paulo Guillobel. Puxei para a guarda e ele ficou atacando por cima. O torneio era a Copa Blue Marlin.”

Como muitos jovens cariocas, Felipe ia à praia. Surfou. E, como muitos cariocas, tomou prejuízo ao disputar ondas com surfistas mais velhos. O Jiu-Jitsu, contudo, evitou traumas.

Em 1985, aos 13 anos, errou ao descer uma onda, e viu um surfista mais velho vir para cima dele, enfurecido. Na beira da água, tomou sopapos, caldos e foi para casa tristonho. Dez anos depois, já de faixa-roxa na cintura, estava com uma namorada quando o mesmo sem noção se aproximou e o provocou, perto da pizzaria Guanabara, célebre point noturno carioca. Espantado, Zicro respirou, botou o valente para baixo, montou e o expulsou dali.

Naquela mesma época, foi aprender inglês em San Diego e se encantou com a Califórnia, e os treininhos com mestre Fabinho Santos e visitas ao dojo de Rickson Gracie. Seu inglês evoluiu, e seu Jiu-Jitsu nem se fala. Foi lá que se tornou faixa-marrom.

Felipe gostava mesmo de treinar e aprender, mas por sua experiência logo foi convidado a ensinar os novatos. Em 1998, Romero o levou a Atlanta, para ser seu braço-direito nas aulas no QG da Alliance nos EUA.

“Até ali, eu só queria aprender e me divertir. Com Jacaré passei a conectar as técnicas, os ensinamentos, e aprendi a ensinar. Pude perceber como uma escola funciona, como uma aula começa e termina. Ali vi que aquilo seria meu ofício e minha missão.”

Romero Jacaré, no velho teatro de Ipanema que se tornou academia de Jiu-Jitsu, em 1985. Foto: Marcos Prado/Divulgação

Romero Jacaré, no velho teatro de Ipanema que se tornou academia de Jiu-Jitsu, em 1985. Foto: Marcos Prado/Divulgação

Zicro alternava aulas no Brasil e nos EUA, e parecia que ia se estabelecer mesmo perto dos velhos amigos no Rio de Janeiro. Foi quando, no Natal de 2006, foi de novo convidado para cobrir os treinos de fim de ano de Romero Jacaré em Atlanta. Ao chegar, um amigo policial o contactou, para informar que forças de segurança na Flórida estavam atrás de um instrutor. Para seminários e, se possível, para uma temporada mais longa.

Mente aberta, Zicro topou a aventura em 2007. Não voltou mais. E não se arrepende. “A vida aqui é ótima. Se existe um aspecto a lamentar, é que Talahassee é uma cidade universitária; meus alunos, em sua maioria, acabam que ficam comigo por cinco anos, e depois voltam para suas cidades e países. Quando começam a ficar duros, vão treinar em outro lugar. Isso é chato para mim como professor, mas ao menos há sempre um novato. Vejo o Jiu-Jitsu mudando estes jovens o tempo todo. Afinal, o grande benefício do Jiu-Jitsu é ajuda você a ser perseverante, focado, e conquistar outros sonhos, não apenas a faixa-preta. Se você treina, aprende a ser bem sucedido no que você quiser ser.”

Hoje, a academia de Felipe Zicro é parada obrigatória para os amigos e alunos da Alliance que chegam aos EUA, e costuma abrigar seminários esplêndidos e festas de aniversário do mestrão Jacaré.

Como Felipe prega, ele continua a fazer amigos por lá, como fazia três décadas atrás. Oss!

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