Para Renzo Gracie, idade não é nada. “Se você tem 20 anos mas para de treinar Jiu-Jitsu, não adianta. Treinando o tempo todo, você pode passar dos 40 e estar na melhor forma de sua vida”, diz o professor carioca radicado em Nova York.
Aos 47 anos, o faixa-preta tem duas lutas marcadas, contra Kazushi Sakuraba, de 46 anos, e Matt Hughes, 40, no ADCC 2015. Mas ele quer mais: entre Sak e Hughes, Renzo pretende “sair na porrada” duas vezes pelo UFC, para comprovar sua teoria de que está no seu apogeu técnico.
Enquanto concedia entrevista a GRACIEMAG, parado dentro do seu carro, Renzo viu um afobado motorista americano bater na traseira do seu carro. O Gracie nem se irritou e tampouco saiu para ver o estrago: deixou o cara passar se desculpando e ir embora. Será toda essa tranquilidade fruto da alegria de reencontrar Sakuraba, no Metamoris 5, em Long Beach? Confira o bate-papo:
GRACIEMAG: Muitos fãs veem esta sua luta de Jiu-Jitsu sem kimono no Metamoris, no dia 22 de novembro, como o desfecho perfeito da rivalidade entre Sak e os Gracie. Poucos no entanto lembram que o japonês perdeu em 2010, justamente para o Ralek, o organizador do evento. Para você, o que está em jogo?
RENZO GRACIE: É verdade, graças ao Ralek hoje a família está na frente. O que vou ter a ganhar com essa luta é a chance de botar a mão nele de novo. Como praticante de Jiu-Jitsu, vou poder conferir se eu melhorei daquele tempo para cá, e ver se ele também melhorou de lá para cá. Reencontrar um cara com quem você já lutou e perdeu é uma chance de ouro para você aferir esse desenvolvimento. Por isso mesmo que eu não podia dizer não quando o Ralek me ligou oferecendo a luta. Assinei o contrato sem nem ler.
A ideia inicial do povo do Metamoris já era ver você contra o Saku?
Assim que o Ralek começou a negociar com o Sakuraba ele já me ligou. Abracei a ideia e não larguei mais, no mesmo dia eu já comecei a treinar, pois vinha ocupado para caramba e não estava treinando duro. Mas foi isso mesmo, o Sakuraba já assinou sabendo que era comigo. Vai ser um prazer, eu não vejo a hora.
Qual foi a maior lição aprendida com aquela derrota no Pride 10, em 200o? Estudou a saída da chave kimura de todos os ângulos?
Sim, depois daquele dia não caio mais, hoje eu saio fácil. Na época eu já estava ligado, o que eu procurei fazer foi tentar aplicar uma queda para cair por cima dele. Mas o Sak bateu na corda e o golpe ajustou, e naquele processo o braço acabou quebrado. O pessoal vive me perguntando se aquele braço quebrado me causa mágoa, raiva ou arrependimento até hoje. Olha, na realidade aquele mau resultado me trouxe foi um grande orgulho, e nenhuma mágoa. Afinal, eu perdi para outro lutador de Jiu-Jitsu: naquela vitória do Sakuraba tivemos a prova de que nossa família levou o Jiu-Jitsu de volta ao Japão. Como filhos gratos que somos, levamos a arte suave de volta ao seu berço para que não se perdesse.
Você costuma ensinar que um grande lutador precisa de alguém que ele respeita puxando o ritmo dos treinos, acordando o cara cedo, exigindo um pouco mais a cada sessão. Quem vai puxar seu treino? E quem serão seus sparrings em NY?
Normalmente quem tem esse papel é o Ricardo Cachorrão, que marca em cima e exige sempre mais de mim. Mas eu já comecei a puxar também, hoje acordei cedo e corri 46 minutos de manhã. Meu corpo já está começando a reagir. Estou empolgado porque estou com muita gente dura me cercando, o time está de primeira. Da família, o Neiman é um deles, ele que está numa forma excelente e já brilhando no MMA. Tem o Gregor, o Igor, o Rolles que está com luta de MMA marcada na Polônia… O treino vai pegar fogo até novembro.
Aos 47 anos, você está vivendo aquela fase maravilhosa de treinar e trocar golpes com seu filho, Ruran, de 19. Ele vai seguir a carreira?
Não só ele, mas tem uma nova geração surgindo que não vai ser brincadeira. Ontem para você ver, eu me peguei quase uma hora com o Daniel Ignácio, meu afilhado de 15 anos. Ele já é campeão de wrestling aqui nos EUA, e tem o meu tamanho! Um casca-grossa, ficou tentando me pegar o treino todo. Agora ele quer vestir o kimono e começar a vencer no Jiu-Jitsu também. O Ruran está evoluindo muito, é um prazer ver o quanto ele ainda tem a melhorar ao longo de sua trajetória. Sou cada vez mais fã dele. Ele andou doente, mas foi só mais uma lutinha na nossa vida. Tudo na vida é uma briga, e ficou tudo bem. Estamos mais próximos depois dessa luta juntos.
Você enfrenta o Sakuraba em novembro; e o Matt Hughes em setembro de 2015, no ADCC Manaus. Quem você quer enfrentar nesse meio tempo para manter a forma? Você não desistiu do UFC ainda.
Tem de ter um ou dois aí nesse intervalo. Quero sair na porrada novamente. E contra qualquer adversário, afinal eu nasci com esse defeito. Escolher oponente nunca foi do meu feitio. Só espero que seja um cara duro, o melhor que tiver, um campeão. Mas cabe aos promotores escolher com quem o pau vai jambrar. Vou estar pronto e luto até de graça. O Dana White disse que me daria um cheque em branco para eu ficar em casa e não lutar. Mas eu disse que eu entro lá de graça, estamos nesse cabo de guerra.
Anda treinando algo especial para surpreender Sakuraba?
A gente treina tudo aqui, é muito estrangulamento e chave de braço. A guilhotina e a kimura estão em dia. Mas a real é que quero soltar meu jogo e ver se ele me acompanha no giro.
Falta fazer algo na carreira, Renzo? Lutar com alguém?
Tenho muito a fazer ainda, pelo amor ao Jiu-Jitsu. Quero tentar levar o esporte para a TV aqui nos EUA, por exemplo, é um próximo passo. Nos ringues, só tenho a festejar. Por ter nascido em 1967, tive a glória de poder trocar suor e conhecimento com quatro gerações da minha família. Sou agradecido por ter dividido tantos momentos incríveis com as novas e as antigas gerações de lutadores. Não faltou ninguém. O Conde Koma morreu quando mesmo? Em 1941? Faltou ele então, por poucos anos eu não peguei um avião até o Pará e fui lá dar um treino com esse japonês.