O fenômeno aparece com frequência nos campeonatos de Jiu-Jitsu na faixa-preta. Assusta boa parte dos torcedores e dos organizadores, é discutido e até amaldiçoado, mas no ano seguinte volta para nos assombrar.
Trata-se do fechamento das chaves nas finais. Isto é, dois atletas que costumam treinar juntos ou defendem a mesma escuderia se reencontram na final, após eliminarem todos os concorrentes, e com um aperto de mão decidem que acabou, missão cumprida. O campeão é escolhido na moeda, par-ou-ímpar ou em conversas longe da audiência, que não curte muito a atitude.
No recente Pan de Jiu-Jitsu da IBJJF, realizado de 12 a 16 de março, o adulto faixa-preta masculino desaguou em cinco finais fechadas sem ação: João e Paulo Miyao (pluma); Mário Reis e Gianni Grippo (pena); Lucas Lepri e Michael Langhi (leve); Guto Campos e Keenan Cornelius (meio-pesado); e Yuri Simões e Lucas Leite (peso pesado).
O fim precoce de metade das disputas do masculino frustrou grande parte dos espectadores que assistiam pela internet. O chiado, então, ecoou forte nas redes sociais e no Facebook de GRACIEMAG. “É um desrespeito”, atacou um leitor. “Os outros que vencessem para chegar na final”, rebateu outro. Como se vê, o assunto divide a comunidade do Jiu-Jitsu.
Em 2012, uma sugestão gerou amplo debate aqui em GRACIEMAG. Professor acostumado a organizar campeonatos, o faixa-preta Claudinho Arrais, resumidamente, propôs que lutas fechadas sem movimentação não contassem pontos para a disputa por equipes. Relembre a proposta detalhada, aqui.
Outras opiniões têm surgido. Vice-campeã pan-americana este ano, Mackenzie Dern (Gracie Humaitá) já viveu a sensação de lutar com parceiras de equipe. Em sua página social, a faixa-preta defendeu que um campeonato não pode prescindir das finais. Segundo ela, ainda que os lutadores cheguem a um acordo, os espectadores ganhariam muito mais com uma luta de demonstração entre amigos ou irmãos do que com o fechamento abrupto. “Deveria sempre ter luta. Nem precisaria ser real, bastaria uma bonita demonstração de técnicas interessantes para a plateia, com ataques e defesas empolgantes. E o escolhido para vencer, venceria, como ocorre hoje”, postou Mackenzie.
O leitor mais ligado lembrou da luta de Jiu-Jitsu sem kimono entre os irmãos Mendes, no WPJJC de 2011, em Abu Dhabi? Reveja a seguir.
Lutador de MMA e faixa-preta da Gracie Tijuca, Vinny Magalhães foi além. Para o ex-competidor, hoje assistente no “TUF Brasil 3”, deve constar na regra a lei que obrigue os lutadores a disputar a final. “Ou monta a chave feito o ADCC, em que parceiros de treino ficam no mesmo lado da chave, ou torna as finais obrigatórias. A partir do momento em que o negócio se tornar regra e não opção, o lance de não lutar para não criar clima ruim na equipe não existirá. Se um dos atletas alegar contusão para não disputar a final, a vaga fica com o cara que perdeu na semifinal, igual ao ADCC. Mas tem que ter final”, opinou Vinny, via Twitter.
A questão então se expande: o fantasma dos fechamentos pode fazer surgir uma assombração ainda mais medonha, o das lutas fingidas ou “marmeladas”? O público iria aplaudir de fato ou terminar desconfiado (ou constrangido) sempre que dois velhos parceiros lutassem? Qual é a visão dos competidores sobre isso? Eles se expõem ao aparentemente “perder” para um amigo? E os patrocinadores, o que pensam? Ao debate.
IBJJF propôs medida contra fechamento, não acatada
O que muitos ainda não saibam é que, recentemente, a Federação Internacional que rege o esporte (IBJJF) buscou medidas para tentar combater as finais precoces. Em mais de uma reunião com professores e treinadores, dirigentes da Federação defenderam a montagem das chaves com atletas aliados no mesmo lado da chave. O voto da IBJJF, porém, foi vencido. Por outro lado, prevaleceram outros valores cruciais no esporte, como a democracia, a opinião dos competidores ativos e a tradição, para o bem ou para o mal. Uma tradição, por sinal, que também encontra defensores na arquibancada:
“Eu adoro os fechamentos. Apesar de haver somente uma medalha de ouro, os dois lutadores são vistos como vencedores. Nossa arte marcial não é composta por gladiadores, isso também é um esporte de equipe”, defendeu um leitor praticante, no Facebook.
Seja como for, o assunto merece atenção dos atletas e dirigentes, para que não atrapalhe a expansão do esporte, entre os fãs e a mídia. Afinal, é como um macaco-velho de campeonatos analisou: “Num futuro próximo, poderemos ter os Mendes firmes no peso-pena, os Miyao no pluma, Keenan e Galvão no meio-pesado e Langhi e Lepri no peso leve. Resumindo, não teremos mais finais”, apavora-se.
Algum leitor sagaz teria uma solução para a questão? Comente com a gente.