“Se o boxe contasse com um sistema de faixas, Muhammad Ali vestiria uma bela faixa-vermelha por cima do roupão, talvez com letras costuradas em dourado, como era de seu feitio, elegante e espalhafatoso ao mesmo tempo.” Assim começava um dos principais artigos de GRACIEMAG #237, em tributo ao saudoso Muhammad Ali, campeão olímpico e mito do pugilismo mundial.
Cinco anos depois de seu falecimento, nossa equipe relembra as lições de Ali, reunidas numa entrevista póstuma que gostaríamos de ter feito. Confira e aprenda com o mitológico Ali. Oss…
Nascido em 17 de janeiro de 1942, em Louisville, no Kentucky, ele recebeu o nome de seu pai, o pintor de cartazes Cassius Marcelus Clay. Aos 12 anos, Cassius Junior já era bem mais forte que o resto de sua turma, e tomou a decisão que mudaria sua vida e o cenário esportivo mundial: deixou o futebol americano e abraçou o boxe, determinado a ser o melhor lutador de todos os tempos. Aos 18, nos Jogos de Roma-1960, conquistou o ouro olímpico dos pesos pesados e quatro anos depois, ao superar Sonny Liston, tornou-se o grande campeão profissional de todos os pesos como havia previsto.
Amplamente homenageado após seu falecimento em 2016, o boxeador falou pelos cotovelos ao longo da carreira, e deu diversas entrevistas contundentes à imprensa – como o memorável bate-papo com o repórter Lawrence Linderman, em dezembro de 1975, publicado na revista “Playboy”.
GRACIEMAG sempre nutriu o sonho de entrevistar Ali, o que não foi possível, mas o Jiu-Jitsu nos ensinou a perseguir sempre o impossível. Neste artigo especial, imaginamos como seria a sonhada entrevista, baseada em respostas reais de Ali a Lawrence Linderman e a outros jornalistas. Apenas nossas perguntas são sonhadas, como se lê.
GRACIEMAG: Quando você percebeu que queria ser um lutador?
MUHAMMAD ALI: Além do boxe, a única coisa que pensei em fazer foi jogar futebol americano. Mas eu não gostava porque não havia publicidade pessoal: você tem que usar todo aquele equipamento e as pessoas nem podem te ver direito. Quem está lá em cima na arquibancada nem consegue te distinguir no meio de 22 homens correndo para lá e para cá. Mas no boxe, em cima do ringue, só há dois homens. Tomei esta minha decisão sobre os esportes aos 12 anos de idade, e me dediquei ao boxe porque os lutadores podem ganhar mais dinheiro do que outros atletas e não se tem interrupções pelo final da temporada como nos outros. E nunca me arrependi ou me lamentei desta decisão, porque quando você é o maior do mundo naquilo que está fazendo, como achar que devia fazer outra coisa?
Por que topou aquela luta exótica contra o japonês Antonio Inoki, um wrestler, em junho de 1976?
Por seis milhões de dólares, eis por quê.
Suas bolsas giravam na casa dos milhões de dólares, e o boxe tornou você um homem rico. O que de mais valioso você conquistou?
Muhammad Ali é muito mais profundo que o boxe, meu filho. Como eu sempre dizia, a riqueza do homem está no conhecimento, não está no banco. Se estiver no banco, ele não a possui. Repare nos tigres, nos pássaros, e nos seres humanos: o que vale mesmo é a liberdade. Um dia eu escrevi: “O carcereiro está em pior situação do que o prisioneiro, porque, enquanto o corpo do prisioneiro está fechado, é a mente do carcereiro que está aprisionada”.
Hoje no UFC vemos pesos leves que socam como pesos pesados. Já os pesos pesados soltam bombas de nêutron. Qual é a sensação de receber um soco forte como esses?
Pegue um galho, um porrete, e dê com ele no chão com toda a força. Você vai sentir a sua mão vibrar, fazer boeeiiinnng. Levar um soco daqueles é o mesmo impacto, só que no corpo inteiro, e você leva uns dez a 20 segundos até se livrar do impacto. Se leva outro soco antes disso, começa outro boeeiiiinnng maior ainda.
Como você continuava a comandar seu corpo e mente depois de uma bordoada daquelas?
Você não consegue pensar, fica abobalhado, não sabe nem como foi parar ali em cima. Só que eu sempre fui autocondicionado, reagia automaticamente: levava um soco desses e mesmo sem pensar eu dançava, ou corria, ou me agarrava no sujeito, ou abaixava a cabeça. Eu apanhava volta e meia, mas Sugar Ray, Joe Louis, Rocky Marciano, todos também apanharam. Eles tinham uma coisa que a maioria dos lutadores não têm: capacidade de aguentar em pé até clarear a cabeça. Eu também tinha essa capacidade, e tive de usá-la nas duas primeiras lutas com Joe Frazier.
Mas você era um craque na defesa. Como veio à mente aquela tática para derrotar George Foreman no Zaire, em 1974?
Lembro que eu queria tanto recuperar o meu título que enfrentaria George Foreman até numa cabine telefônica. No fim do primeiro round, no entanto, senti que eu não ia aguentar aquele ritmo e que, o George, mais novo, aguentaria do jeito que a luta andava. Se eu fizesse sete ou oito rounds dançando, estaria sem resistência na hora de recorrer as cordas e George me pegaria de jeito. Resolvi ir para as cordas ainda inteiro, e assim fiz com que ele se cansasse. Foreman só sabia fazer isso: levar o outro pro córner e mandar soco. Se já estava fazendo aquilo, não sabia mais o que tentar. Mas achou, sempre, que no próximo round ia me acertar como queria. De repente, percebeu que já tinha jogado tudo e não tinha conseguido nada.
Hoje vemos lutadores do UFC bons de briga e de provocações. Gosta de ver seu estilo aplicado pelos mais moços?
Não pode haver menosprezo. O pior meio de menosprezar um adversário é não treinar duro para enfrentá-lo. Mas eu gosto de me lembrar do que eu dizia para os oponentes. Antes daquela luta com Foreman, quando o juiz dava instruções, eu avisei a ele: “Agora você está frito, não pode fugir mais. Está sozinho num ringue com o maior lutador de todos os tempos, meu filho. Desde menino que você me acompanha, quer me derrubar, quer ser o campeão, mas agora eu te peguei, campeãozinho de bosta. Vou te jantar aqui em cima”.
Os melhores momentos de sua vida foram em cima do ringue?
Meu maior prazer na vida é não ter nenhum compromisso marcado. Mas isso rarissimamente acontecia. Lutei boxe desde os 12 anos e os treinos eram duríssimos. Mas, quando eu pensava nos meus objetivos e no legado que queria deixar, eu preferia correr aquelas mesmas duas milhas todas as manhãs do que ficar dormindo mais um pouco.
Você diria que o boxe está decadente?
O boxe nunca vai morrer. A multidão vai aparecer na trilha dos profissionais, os ginásios sempre terão garotos sonhando em ser o campeão. E, de vez em quando, aparecerá um lutador sensacional.
Acha que o seu nome vai virar lenda, após sua morte?
A lenda de Muhammad Ali já está escrita, eu mesmo a escrevi.
Qual foi seu principal ponto forte como atleta?
Fui o mais rápido peso pesado — com os pés ou com as mãos que jamais existiu. Uma outra coisa: se você olhar fotos de todos os campeões anteriores, você percebe imediatamente que fui o campeão mais bonito de toda história. E juntando tudo isso, eu acabo sendo o maior, não é verdade?
Como você gostaria de ser lembrado?
Como um homem negro que ganhou o título mundial dos pesos pesados e que era bem-humorado e que tratava todo mundo bem. Como um homem que jamais tratou alguém de cima para baixo, muito menos os que o admiravam, e que ajudou o maior número de pessoas que lhe foi possível — não só financeiramente, mas na luta pela liberdade, por justiça, por igualdade. Como um homem que jamais feriria a dignidade de seu povo comportando-se de forma a deixá-lo constrangido. E se tudo isso for pedir muito, então acho que gostaria de ser lembrado apenas como o maior campeão do boxe, que se tornou um campeão do seu povo. E nem ao menos me incomodaria se as pessoas se esquecessem de como eu era bonito.
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