Você comanda uma academia de sucesso em Brentwood, na Califórnia, transmitindo Jiu-Jitsu a um público bastante diversificado: crianças, adultos, a turma de terceira idade, policiais, empresários, competidores, e até veteranos de guerra. Quais são as virtudes que um professor deve ter para lidar tão bem com um público diversificado? E quais erros não pode cometer?
THIAGO GAIA: Sim, tem sido um trabalho maravilhoso poder ensinar Jiu-Jitsu para diferentes tipos de pessoas, acredito que o principal para ter sucesso é amar o dia a dia das aulas, entender que você é um prestador de serviço e que mesmo que você não esteja em um bom dia, sua responsabilidade é ensinar BJJ da melhor forma possível e fazer as pessoas se sentirem bem em um ambiente agradável. Meus alunos vêm para os treinos principalmente pelo bem estar que um treino de Jiu-Jitsu gera, então mesmo que eu não esteja em um bom dia, faço o meu melhor para que a aula seja agradável e produtiva.
Acredito que um grande erro é tratar e enxergar os alunos apenas como números de um negócio, isso diminui a importância do trabalho, eu procuro santificar o meu trabalho através do bem que o BJJ gera na vida do meu aluno, uns perdem peso e saem da depressão, outros aumentam a confiança se tornando capazes de se defenderem em situações de perigo. O Jiu-Jitsu é o meu meio de vida, é o que põe o pão na mesa da minha família, então o lado financeiro tem sim sua importância, mas o erro é focar somente nisso. O foco no benefício que o BJJ gera na vida do aluno é o que dá um sentido mais profundo no meu trabalho e me faz ir para a academia todos os dias.
Com cerca de 10 lutas profissionais de MMA, o que você aprendeu de melhor nessa trajetória eletrizante nos ringues?
O MMA é o esporte mais intenso que já pratiquei, é um esporte que exige um conhecimento técnico de diversas artes marciais, um preparo físico altíssimo, bastante controle emocional e muita coragem para aceitar a vulnerabilidade de entrar em um octógono enfrentando um oponente treinado que está disposto a te machucar para obter a vitória. Não é um esporte para qualquer pessoa.
São exatamente as dificuldades que o MMA impõe que me fizeram evoluir como pessoa; enfrentar os medos, usá-los a meu favor e ter muita fé em Deus. Fica mais fácil superar os desafios de uma luta quando se tem uma crença em Deus, em vez de tentar hiper-racionalizar todas a possibilidades que podem acontecer na luta, treinar ao máximo para estar preparado para tudo e entregar na mão de Deus, pois às vezes até resultados ruins poderão gerar benefícios em um futuro no qual a nossa limitação humana não é capaz de enxergar. O MMA para mim gerou muito crescimento pessoal.
Algumas pessoas gostam de artes marciais mas têm receio de ingressar numa academia e praticar. O que você costuma dizer a essas pessoas? Quais são os benefícios que uma academia de Jiu-Jitsu oferece às pessoas e à sociedade de uma forma geral?
Esse é o eterno dilema do aluno faixa-branca interessado em arte marcial, ele inconscientemente acredita que precisa estar preparado para iniciar no BJJ, pois acredita que os alunos mais experientes vão ”bater” nele. Isso é uma ilusão, a mente dele cria esses medos e o impede de iniciar algo que irá mudar sua vida.
Em uma boa academia, com um professor profissional e experiente, esse aluno será acolhido em um ambiente amigável e compreensivo com suas limitações, é por isso que na minha academia os alunos que nunca praticaram arte marcial iniciam na aula ”Fundamentals class”, na qual ele irá aprender os primeiros conceitos do Jiu-Jitsu e trabalhar situações específicas, respeitando sua limitação física e técnica, assim em pequenos passos o aluno vai adquirindo mais confiança e melhor preparo físico para poder frequentar as aulas mais avançadas. Muitos dizem que estão fora de forma para iniciar, eu respondo dizendo que irão adquirir o preparo físico necessário durante o treino, não procrastinando sua decisão de iniciar por desculpas criadas na sua mente.
Você é amigo de infância do Marcus Buchecha, um dos maiores competidores de Jiu-Jitsu de todos os tempos. Como essa proximidade com um ícone influenciou a sua carreira? E, como professor e coach, que dicas fundamentais você dá aos seus alunos que têm como meta a medalha de ouro dos principais campeonatos?
Eu acompanho a carreira do ”Buchecha” desde que éramos faixas-azuis juvenis, lutávamos na mesma categoria de idade, mas em diferentes categorias de peso, ele treinava na Checkmat em Santos e eu em São Paulo, pude ver ele sendo campeão mundial na categoria e no absoluto em todas as faixas e presenciar a transformação de um moleque simples e brincalhão para um ícone do esporte.
Não preciso citar o quão excepcional ele é como atleta, seus títulos já demonstram por si só, mas o que me faz ver nele uma das principais referências do esporte é a sua postura durante todo o decorrer de sua carreira; ele não vendeu sua personalidade para a geração do ”trash talk” oriunda de alguns atletas do MMA, você nunca vai ver o Buchecha desrespeitando adversários ou perdendo a postura de artista marcial, ele mantém a confiança na vitória sem precisar menosprezar ou desrespeitar ninguém. Acredito que o BJJ precisa dar mais valor para atletas que não são apenas atletas de alta performance, mas sim artistas marciais que não esqueceram que o Jiu-Jitsu é uma arte marcial e buscam resgatar os valores que foram esquecidos em prol de um ”show bussiness moderno” que tem sim sua demanda, que é reflexo da decadência moral da sociedade atual, mas para o artista marcial é preferível dar o bom exemplo, mesmo que poucos o ouçam, do que corromper o sentido da arte marcial para ser ouvido por uma multidão histérica e sem valores.
Coach da Mayra Sheetara, atleta do UFC, como você analisa o crescimento da prática de Jiu-Jitsu pelas mulheres e também o papel da defesa pessoal no cotidiano feminino?
Eu e a Sheetara treinamos juntos já faz mais de 7 anos, desde a época em que morávamos em São Paulo e treinávamos na Chute Boxe Diego Lima, meu foco com ela sempre foi na parte do BJJ, hoje em dia ela é uma das maiores finalizadoras do UFC e é muito gratificante vé-la realizar seus sonhos, estamos sempre em contato e nos reencontrando durante seus treinamentos, e hoje em dia ela está super bem assessorada pelos profissionais da American Top Team.
A Sheetara é uma mulher muito forte, toda a força e garra que ela demonstra em suas lutas são um reflexo das superações que ela teve em sua vida pessoal, superou diversas dificuldades, sejam financeiras ou de saúde, respeito e admiro a força que ela tem.
O BJJ é essencial para as mulheres, ele é a arte marcial onde o mais fraco fisicamente pode superar o mais forte através da técnica, então no quesito de defesa pessoal para as mulheres é a arte marcial primordial, uma mulher bem treinada no BJJ aumenta suas chances em uma situção de defesa pessoal contra um homem, que em via de regra tem mais força física. Recomendo para todas as mulheres iniciarem no Jiu-Jitsu, minha esposa treina e minha filha que está a caminho irá treinar também.