Impressionante como a paternidade vira (ou deveria virar) uma chave e muda completamente a vida de um homem.
Sempre fui uma pessoa emocional. Lutei desde adolescente para ser duro e não acusar os golpes que levava da vida. Me adestrei a absorver as pancadas e não demonstrar fraqueza. Seja as pancadas físicas, seja as emocionais.
Tanto o rompimento de um ligamento do tornozelo quanto a eliminação em um tão sonhado concurso deveriam ser encarados estoicamente, com a expressão fria de um jogador de pôquer ou o sorriso mais falso do que o de um vendedor de carro usado. Toda e qualquer lágrima deveria ser represada em público. Sempre.
Eis que nasceu minha primeira filha e as lágrimas vieram fácil. Tudo bem. Era uma situação compreensivelmente emotiva. O que não me avisaram é que essa torneira não iria mais fechar. Desde então, passei a me emocionar constantemente com músicas, textos e filmes que abordavam família e paternidade.
Para minha total descrença, surgiram do nada os malditos cortadores de cebola invisíveis quando eu assisti a “Encanto” com minhas filhas, ou no fim de “Logan” no cinema. Mas nunca esperei que algo assim fosse acontecer numa luta de MMA.
Lá estava eu ligado no UFC 290, na madrugada de 9 de julho, empolgado e agitado. O evento estava ótimo, com lutas emocionantes e muita ação. Na hora da disputa do cinturão dos moscas entre o brasileiro Alexandre Pantoja e o mexicano Brandon Moreno, minha adrenalina estava a mil. Era a chance de o Brasil voltar a ter um título do UFC depois da aposentadoria da gigante Amanda Nunes.
Brandon entrou como campeão e favorito contra Pantoja, apesar de o brasileiro já ter vencido disputas entre eles em duas oportunidades, no TUF 24 e no UFC Chile. O mexicano começou com seu habitual ritmo acelerado, mas foi pego no contragolpe e sofreu um knockdown. Pantoja avançou e parecia que a luta iria acabar por ali. Contudo, Moreno se recuperou com a garra mexicana, voltou melhor no segundo round e empatou o placar.
Com um assalto para cada lado, fiquei preocupado quando um frustrado Pantoja falou ao seu córner: “Ele está mais rápido do que eu”. A dúvida estava ali e qualquer perda de confiança pode ser fatal no octógono. Mas o treinador Marcos Parrumpinha foi cirúrgico ao reforçar psicologicamente seu atleta e orientá-lo a explorar melhor sua especialidade: o Jiu-Jitsu.
Nos rounds seguintes, apesar de continuar levando preocupantes jabs e diretos, o lutador de Arraial do Cabo se concentrou em buscar a queda ou a pegada de costas para controlar melhor a peleja e buscar a finalização. Talvez até com muito ímpeto, perdendo algumas posições, porém assegurando os rounds.
No intervalo para o último round, Parrumpinha falou o que Pantoja precisava ouvir: “Pensa nos seus filhos! Pensa na sua família!” Com esse foco em mente, Alexandre manteve a concentração, reforçou a confiança, achou o momento certo para pegar as costas de Brandon e assegurar a vitória na decisão dos jurados.
Diante das vaias da plateia, composta por muitos mexicanos ou por seus descendentes frustrados com a derrota, Pantoja pegou o microfone e desabafou em inglês: “Se vocês soubessem minha história, vocês iriam me amar. Eu trabalhei tão duro por isso”.
Apontando para sua família que estava na plateia e soltando o choro preso na garganta, Pantoja continuou: “Gabriela, minha esposa, meus filhos. Eu trabalhei tanto por isso! Eu posso tocar agora (o cinturão)! Eu posso tocar agora!” Nesse momento, as lágrimas já desciam aqui em casa também.
No que foi talvez o discurso mais comovente da história do UFC, Alexandre desabafou: “Eu entrego tudo que tenho (ao lutar). Minha mãe tomou conta de mim e dos meus dois irmãos sozinha. Agora você tem orgulho de mim, pai? Está orgulhoso de mim?”. E lá estava eu, chorando sozinho de madrugada e pensando no impacto que um pai causa na vida de seus filhos.
Ser pai não é só se reproduzir. Ser um verdadeiro pai desperta um amor que nem sabíamos que era possível antes. Um pai de verdade ama tanto seus filhos que está disposto a passar pelos piores tormentos para evitar que sua prole sofra. É entregar tudo por sua família, trabalhar tão duro para proporcionar o melhor para eles.
Antes mesmo de pisar no octógono, Alexandre Pantoja já era um campeão, por ser para seus filhos o pai que ele não teve. O choro faz parte dessa conquista.