Demorou 45 anos para Sérgio Neiva Cavalcanti amarrar oficialmente a faixa-preta de Jiu-Jitsu na cintura. Se ele ficou ansioso, angustiado ou frustrado nestas mais de quatro décadas? Que nada. Ele era só risos.
Serginho Mallandro, humorista dos mais festejados do Brasil, entrou enfim para a galeria de faixas-pretas do time Carlson Gracie, uma escuderia que marcou sua vida e trajetória desde garoto, e para sempre.
Sua história no Jiu-Jitsu teve início nos anos 1970, aos 18 anos, quando ele entrou pela primeira vez no famoso dojo da rua Figueiredo Magalhães, em Copacabana. “Pouca gente sabe, mas fui o sexto aluno do Carlson Gracie na Figueiredo”, garante Mallandro. “Já tinham lá o Fernando Pinduka, o Fabio Macieira, havia poucos. Toda vez que entro naquela academia eu me emociono, pois vivi muitos momentos ali”.
Aos 63 anos, depois de uma carreira sólida na televisão e agora nos teatros, Serginho foi condecorado pelo antigo parceiro Pinduka, hoje faixa-vermelha. Ao receber a honraria máxima da arte suave, no dia 2 de fevereiro de 2019, Mallandro deu um rola, encaixou uma quedinha e recebeu uma saraivada de tapinhas nas costas. O comediante carioca lembrou que, apesar de fazer graça e levar a vida com alegria, também passou por muitos testes como qualquer um ali à sua volta – e não faltavam professores, admiradores e velhos amigos na academia Akxe da Barra da Tijuca, todos bem recebidos pelo anfitrião Vini Campelo.
“Vivi altos e baixos, do sucesso ao ostracismo, e sempre tive força para dar a volta por cima e me reerguer”, reconheceu Serginho. “Ao meu lado, tive sempre a força da arte suave, os ensinamentos de um mestre icônico como Carlson e a certeza de que o nosso Jiu-Jitsu vai muito além de uma cor da faixa.”
Confira, a seguir, o que mais aprendemos de mais sério com o rei do “glu-glu yeah yeah”, seu bordão mais famoso.
1. Autoconfiança para falar com Silvio Santos: “No Jiu-Jitsu aprendi a ter disciplina, integridade, fidelidade aos amigos, e uma segurança enorme para tratar com qualquer um, do contrarregra ao Silvio Santos. É muito mais fácil lidar com as pequenas e grandes adversidades da vida, em casa, na rua ou no trabalho, quando se treina Jiu-Jitsu.”
2. Amizades. “O Jiu-Jitsu é uma filosofia, é como se fosse uma religião. A academia passa a ser como nosso templo sagrado. E é como se você estivesse entrando numa grande família, uma família maravilhosa e cheia de valores positivos. Por isso é uma arte que educa tão bem nossas crianças.”
3. A arte de relaxar. “Quem treina se torna um cara mais tranquilo, pois os tatames são ótimas válvulas de escape para o estresse diário. O treino relaxa qualquer um. Pus meus filhos no Jiu-Jitsu, e hoje meu sobrinho é um faixa-preta casca-grossa. Sempre dou este conselho às pessoas, bote os moleques para treinar. É de kimono que encontramos mais facilmente o equilíbrio entre nossas ações e emoções.”
4. Disciplina. “Na nossa época, não podíamos ter relações sexuais antes das lutas. Ainda existe isso? Bom, acho que parei de competir por isso (risos). Então você partia com apetite agressivo contra o oponente.”
5. Segurança em todas as horas. “O Pinduka era nosso Capitão Nascimento. Qualquer confusão e o Carlson gritava: “Pinduka!”. Ele podia estar dormindo, que era chamado. Lembro que na época da luta contra o grande campeão Marco Ruas, quando havia uma rivalidade enorme entre as modalidades de arte marcial, o Pinduka estava dormindo no tatame e o Carlson disse: “Bichão, você vai sair na porrada, está preparado?”. E ele estava sempre preparado. O Jiu-Jitsu tem esse benefício, o de nos deixar preparado para tudo quando se está treinado. Você fica realmente seguro que é capaz de alavancar o mundo e vencer qualquer parada.”
6. Adaptação fácil. “O Carlson nos dizia: ‘Se você treinar todos os dias, vai ser um bom lutador mesmo que não queira. Poderoso…! Você vai ser muito poderoso, bicho! Mas, se você tiver o dom, e ainda treinar todos os dias, você vai ser um lutador espetacular, um campeão mundial’. A lição é que o Jiu-Jitsu é de fato para todos, e qualquer um pode se adaptar, só depende da pessoa botar o kimono na mochila e aparecer na academia. Como o Carlson deixa saudade na gente!”
7. A arte de ganhar e perder. “Batuquei muito na academia, fui muitas vezes amassado! Mas quando fazia o golpe do ‘glu-glu yeah-yeah’, ninguém resistia (risos)! Sempre quis ser faixa-preta, claro, mas, juro, o meu maior sonho era outro: ver o que vejo hoje em dia, o Jiu-Jitsu como uma luta universal, praticada por todas as idades. A gente lutava para provar que o Jiu-Jitsu era a melhor luta do mundo. Essa galera ganhou de todo mundo e hoje o esporte foi pelo mundo afora. Realizei o meu grande sonho de ver isso acontecer. É no UFC, é nas escolas com as crianças, com as meninas. Receber a faixa-preta é um momento de muita emoção, vivo um flashback com toda minha vida. Mas meu sonho maior, por amar esta luta, pude ver durante todos esses anos: o sucesso do Jiu-Jitsu pelo planeta.”