Lutador, treinador, mestre, dirigente, talismã, incentivador, amigo. Antes de tudo isso, o brasileiro Luiz Alves (1956-2010) foi um vencedor.
Contra todas as probabilidades, deixou sua cidade natal, Nova Russas, no sertão cearense em meados de 1968 para se transformar em figurinha fácil nos arranha-céus de Tóquio, nos hotéis de Las Vegas e nas academias da Holanda, país europeu onde foi treinar pela primeira vez em 1995. A tiracolo, levou um jovem talento para ser lapidado, chamado Pedro Rizzo.
Depois de chegar do Ceará, Luiz Alves começou a treinar judô no Rio de Janeiro, e acabou fazendo fama no muay thai após conquistar títulos no taekwondo. Dono de uma mente aberta, disciplina e um chute respeitado especialmente pela pontaria, Luiz tocava suas aulas com doces esporros (“Tá tudo uma merda”), frases que trocava por incentivos quando estava no córner. Coisas como “Acredita! Arranca a cabeça dele!”.
Como lutador, Alves sempre acreditou. Num tempo em que ninguém treinava com manopla, e sim canela com canela, ganhou respeito após nocautes como o conquistado em cima do lendário Budi, temido integrante da Torcida Jovem do Flamengo. Alves venceu Budi com um chutaço no abdome, exatamente no local em que o adversário havia sido baleado anos antes.
Como treinador, o grande mestre não ficava preso a rixas ou tradições, e em 1998 decidiu ensinar muay thai a um faixa-preta de Jiu-Jitsu, para uma luta de vale-tudo. O resultado? O estreante André Pederneiras nocauteou Rumina Sato após um chutaço inesperado, no Shooto japonês.
Houve, porém, uma noite em que Luiz Alves nada pôde fazer por seu aluno. Foi uma das noites mais divertidas do treinador cearense. Em novembro de 2003 no Japão, a repórter Gloria Maria irrompeu o hall do hotel convocando a todos para o furo de reportagem que seria exibido no Fantástico: o confere entre Wanderlei Silva e Rodrigo Minotauro, num fliperama de rua em Shinjuku. No dia seguinte, Wand lutaria com Yoshida e Rampage, e Minota contra Cro Cop.
Olho vidrado no videogame, Alves era um dos mais empolgados. Deu conselhos para Minotauro antes, não parou de berrar para incentivar o pupilo, mas nada pôde fazer. Ficou ruim para o peso pesado, nocauteado seis vezes pelo astro da Chute Boxe, para gargalhada de todos, especialmente Gloria Maria. “O boneco do Wand é muito forte, só perde para o Royce, que finaliza todo mundo em segundos”, resignou-se Rodrigo.
Foi uma espécie de vingança virtual da Chute Boxe. Seis anos antes em São Paulo, a equipe Boxe Thai que Alves fundara em 1984 e o time de Rudimar Fedrigo haviam feito um tira-teima memorável. Eram duas academias que nasceram das sementes do mesmo mestre Nélio Naja, uma no Rio outra em Curitiba, duas equipes que acreditavam que a luta, independentemente da vontade dos envolvidos, poderia acabar no chão. Suas diferenças eram apenas em relação à filosofia de treinos.
“Nós sempre prezamos a combinação de golpes, enquanto a Chute Boxe trabalhava a mão separada das pernas, etc”, contou Artur Mariano, aluno de Luiz desde os 10 anos e faixa-preta de Jiu-Jitsu, em reportagem da Revista NOCAUTE.
Após 19 minutos de luta, Artur Mariano venceu um Wanderlei com um grande corte na testa por interrupção médica, na final do torneio do IVC.
Vítima de hemorragia cerebral nessa sexta-feira, 19 de março, após um AVC sofrido no último dia 26 de janeiro, o vencedor Luiz Alves volta para ser enterrado em Nova Russas com a missão mais que cumprida. Deixa mulher, filhos e uma legião de amigos e seguidores.