Já pensou em se preparar por um ano inteiro para um torneio e ficar fora dele? Seria um baque enorme para qualquer um, e foi para João Gabriel Rocha a dura dose de azar deste ano. Uma infecção intestinal tirou a fera da Soul Fighters do Mundial 2019, golpe forte que o mesmo explicou com exclusividade à GRACIEMAG.
“Eu fui comer uma massa um dia antes um dia antes do Mundial”, contou JG. “Minha esposa é doutora em nutrição e ela me disse para comer uma massa. Eram umas 17 ou 18h, por aí, e eu estava voltando para o hotel depois de comer. Como eu não queria sair por volta das 22h para comer de novo, e na Califórnia só tem fast food quando fica mais tarde, por isso acabei passando num mercado próximo ao restaurante que eu comi aquela massa. Comprei um sushi pronto e isso me fez um mal absurdo. Acordei de madrugada vomitando muito, e esse processo se estendeu até umas 8h da manhã, até que a minha esposa foi à farmácia comprar um remédio para melhorar a situação. Parei de vomitar, mas estava com o corpo detonado, não conseguia andar direito, desidratado. Isso foi por volta de 4 ou 5 horas antes de lutar, por isso eu optei em não lutar. ”
A dura saída do torneio claramente deixou João abalado. O problema, porém, é que ele não teria sequer chance de absorver o golpe: em uma semana, viajaria para a Rússia rumo ao King of Mats, organizado pela AJP. Ainda debilitado, tanto fisicamente quanto psicologicamente, João resolveu partir, e a mente blindada de campeão, que já passou por grandes provações na vida, voltou a colocar o campeão de pé. A vitória veio em Moscou, ao se recuperar de uma derrota no mesmo torneio para Kaynan Duarte e encontrar de novo o algoz na final, dessa vez com vitória. Para entender melhor, mergulhamos fundo nesse mês de altos e baixos de João, e a forma como sua cabeça funcionou pode ser a chave para você também se superar nas suas adversidades, amigo leitor.
“Fiquei muito decepcionado com a parada do Mundial”, lembrou João. “Estava treinado, estava bem demais. Pensei em desistir de lutar o King of Mats, era uma semana depois do Mundial e já teria que viajar. Não treinei direito, consegui apenas treinar três vezes nesses 14 dias. Três treinos de Jiu-Jitsu e nenhum de preparação física. Levei na mala apenas a minha experiência de competições e fiquei empolgado no caminho. Ao chegar na Rússia já fiquei no clima certo para competir e luta após luta ganhei mais confiança. Acabou que deu certo.”
Sobre a campanha, apesar de vitoriosa na gélida Moscou, João ressaltou que não teve seu melhor desempenho em competições. O padrão entre lutar bem e vencer, porém, ainda é um mistério para ele. A ciência está longe de ser exata.
“Às vezes a gente ganha e não tem um desempenho tão bom. Outras vezes a gente luta muito e não ganha, e o resultado não vem. Até hoje eu não sei o que é melhor. O formato deles é bem difícil, uma luta dura atrás da outra. O preparo físico tem que estar em dia.”
Sobre o adversário mais complicado do torneio, Kaynan Duarte, João disse que estava pronto para uma guerra, mas sem ter na manga o conhecimento profundo do adversário, e isso quase custou o título.
“Fiz duas lutas com o Kaynan e, sem menosprezar os outros, achava que ele poderia ser a luta mais dura, até porque ele tirou o Leandro Lo uma semana antes, no Mundial. A campanha dele foi muito boa em Long Beach. No primeiro duelo eu tentei impôr logo o meu jogo contra ele, queria soltar tudo que eu tenho, e foi o que eu fiz. Logo no início consegui a queda e quase passei. Ele me raspou e eu raspei de volta caindo nas costas, colocando os ganchos. Nos embolamos mais ainda em seguida. Estava bem na luta, ganhando nos pontos, com menos de 2min para o fim. Poderia ter administrado, as a ausência do Mundial me deixou com muita vontade de lutar, eu meio que despejei tudo isso naquele momento. Queria mostrar que eu estava bem, que poderia ter feito a melhor campanha da vida na Califórnia. O que eu fiz foi subir segurando a pena dele. Eu não sabia disso, eu não vejo luta dos meus adversários, uma falha minha, e depois eu soube que ele puxa uma guilhotina muito boa daquela posição. Já cai com o golpe encaixado. Acho até que bati muito rápido, poderia ter cedido a raspagem, mas bati e fiquei muito mal na hora. Mas não podia me abalar, tinha que voltar para o restante do torneio.”
Para levantar a poeira, mais uma vez entrou em cena a mente do campeão: aproveitar o cachote, levantar a cabeça cheia de areia, respeitar fundo e mergulhar de novo, com mais atenção.
“Na luta seguinte encarei o Igor Silva e ganhei dele. Depois enfrentei o Jackson Sousa, e finalizei. Fiquei muito focado depois da primeira derrota. Na semifinal enfrentei o Jonnatas Gracie, um garoto novo que chegou há pouco na preta e fez uma luta dura comigo. Escorreguei na hora de passar a guarda dele e ele atacou meu braço. Consegui escapar e ganhar a luta.”
O ataque no braço em questão foi destaque nas redes sociais. Um golpe muito bem aplicado por Jonnatas poderia mais uma vez colocar em risco o título de João. Ele escapou do golpe, e os detalhes da fuga, num equilíbrio de frieza técnica e grosseria foram a chave do sucesso.
“Foi um pouco dos dois. No movimento eu não deixei ele passar a perna por cima da minha cabeça, então ele teve que cruzar uma perna na outra pra isolar só o meu braço. Assim não deu tanta pressão quanto num armlock tradicional. Minha estratégia foi segurar a perna para girar e subir, sem o peso da perna fica mais fácil. Ele virou de barriga para baixo e apertou ainda mais o golpe. Tava pegando, mas não trouxe perigo de quebrar ou algo assim, por ele ser bem mais leve que eu, também. Se fosse alguém mais pesado teria mais trabalho para sair. Foi questão de força e peso naquela hora, mas com certeza a técnica ajudou bastante para ele não ajustar melhor o golpe.”
Depois de passar pela semifinal, era chegada a hora de encarar Kaynan mais uma vez. Mesmo mordido com a guilhotina, João não se abalou, botou a cabeça no lugar e usou a experiência para vencer o algoz.
“Na final cai de novo com o Kaynan. Não queria cometer o mesmo erro da primeira, entrei da forma mais tranquila possível, cadenciando o ritmo. Ele também estava com receio de atacar, ficou na defensiva. Ele chamou na 50/50 e no final tentou subir. Consegui tirar a perna e sair nas costas em pé. Não conclui a queda porque acabou o tempo, mas a vantagem valeu a vitória. Usei a experiencia ao meu favor, além de estar bem cansado. Essas duas semanas treinando pouco fizeram falta na hora do gás.”
No saldo final, além do título e dos dólares do evento, além da chance de encarar Erberth Santos pelo título peso pesado do King of Mats, João voltou da Rússima com mai uma lição importante, mas um torneio no qual a força de vontade teve de ser ainda maior.
“Esse campeonato foi a síntese da superação para mim, principalmente na questão psicológica. Quando um atleta de alto nível assim como eu, que entra para ser campeão, nunca para preencher o pódio apenas, chegar num torneio como o Mundial e não poder lutar, ter que esperar um ano para tentar de novo, isso te deixa bem chateado, e acaba não rendendo depois. Ter uma competição como essa, logo em seguida, com vários caras que inclusive foram campeões no Mundial, exigia de mim muito mais foco. Por vezes a sua maior arma é a força de vontade.”
E você, amigo leitor, já teve que ir além para trazer a melhor versão de você, assim como fez João? Comente conosco!