Professor da nossa GMI Gracie Barra em Salt Lake City, o professor Seidler Rodrigo adotou um norte fixo para sua vida: fazer do mundo um lugar melhor com a ajuda do Jiu-Jitsu. Para isso, Rodrigo deixou uma sólida e promissora carreira como farmacêutico para mergulhar de cabeça na arte suave, inclusive mudando de ares e partindo com tudo para os EUA em busca desse sonho.
Para entender melhor os passos dados e as lições aprendidas por Rodrigo, quem pode mudar também a sua forma de ver o Jiu-Jitsu, conversamos com a fera e extraímos os detalhes dessa missão em andamento. Confira nas linhas abaixo e inspire-se a dar o seu passo no caminho dos seus sonhos!
GRACIEMAG: Para começar, nos conte quem é Seidler Rodrigo e sua trajetória no mundo das lutas
Seidler Rodrigo: Curioso que sempre estive envolvido no mundo das lutas. De um jeito ou de outro estava envolvido. Quando menino eu era muito magro e acabava sendo vítima de bullying na escola. Por isso, na época, fim dos anos 80 início dos anos 90, comecei a treinar karatê Shotokan para poder me defender. Logo em seguida o Royce Gracie mudou o mundo das lutas e todos passaram a ter interesse no Jiu-Jitsu. Tive algumas aulas com amigos, com alguns professores locais, mas naquela época fiquei mais focado nos estudos.
Os estudos caminharam e pude me tornar mestre em Ciências Farmacêuticas pela UFRJ. Mas não adiantou fugir, a luta nos pega na curva. Mais tarde, já formado, fui aprovado num concurso para o Instituto Nacional do Câncer (INCA) e após ver que os anos de estudos não fizeram tão bem pra saúde recomecei a treinar. A experiência profissional no INCA me fez enxergar que temos apenas uma vida e que às vezes ela pode ser curta. Então, comecei a me dedicar muito ao esporte e a competir regularmente na FJJRio (federação mais antiga do nosso esporte) e na IBJJF em todos os torneios internacionais sediados no Brasil.
Nesse momento, esse esporte já havia se tornado uma paixão e começou a transição da minha carreira de farmacêutico para a carreira de atleta. Consegui conciliar as duas durante muito tempo, obtendo resultados importantes. Na FJJRio pude ser o 1º do ranking anual em todas as faixas coloridas e tri campeão estadual. Já na IBJJF consegui também ser campeão sul-americano, vice campeão brasileiro e campeão de diversos IBJJF International Open.
Porém a virada de chave foi uma conversa com meu professor e amigo Jefferson Moura. Me lamentava dizendo que gostaria de viver do Jiu-Jitsu financeiramente como vivia como farmacêutico, para poder assim me dedicar integralmente. A resposta dele como sempre foi decisiva: “Isso só vai acontecer quando você fizer do Jiu-Jitsu sua única profissão.” Aí então começou minha ideia de mudar definitivamente meu foco 100% para o Jiu-Jitsu e para as competições.
Então esse foi o motivo para sua mudança para os EUA? Focar na sua carreira internacional?
Sem dúvida alguma. Aqui sou remunerado como atleta e isso atrai alunos para academia. Estamos montando um time forte na GB Salt Lake City e vamos fazer muito barulho em breve nas competições. Ter tempo integral para dedicação ao esporte coloca qualquer praticante em outro nível. A estrutura para treinamento aqui nos EUA é realmente um diferencial.
Além disso, a missão de nosso time é possuir uma escola em cada cidade do mundo e para isso é necessário o desenvolvimento local do esporte. Nosso esporte tem crescido nos EUA mas de forma ainda desigual. Alguns estados como a Califórnia despontam. Utah será meu desafio pessoal. Espero servir de exemplo para que mais pessoas se interessem e transformem suas vidas através desse incrível esporte.
Estava em ritmo acelerado de preparação para competir em alguns eventos locais aqui em Utah, mas aí o covid-19 jogou um balde de água fria em todos nós. Porém boas noticias já vieram e pretendo representar a Gracie Barra no Austin Open. Primeiro evento durante a pandemia da IBJJF.
Como você e sua academia vêm lidando com este momento desafiador de pandemia em Salt Lake City?
Estamos tomando todas as medidas necessárias e seguindo as recomendações das autoridades. Além de atleta da GB Salt Lake City, sou sócio de uma Gracie Barra em Icaraí, em Niterói, que fica aos cuidados do meu sócio Mackson Câmara. Reabrimos no dia 3 de agosto e ele vem desenvolvendo um trabalho incrível com os alunos através de drills e atividades individuais. Quanto aos meus treinamentos aqui em Salt Lake City tivemos uma pausa durante o mês de março e abril, mas já voltamos com força total nos preparando para o Austin International Open da IBJJF.
Onde você vê sua equipe em cinco, dez anos?
Me sinto extremamente privilegiado em ser membro da Gracie Barra. Acho que fazemos um trabalho incrível em levar o Jiu-Jitsu para todos, não apenas os atletas de alto nível. Acho que sou um exemplo vivo disso. Não comecei para ser atleta, comecei para cuidar da saúde apenas e aqui estou. Por conta disso temos cerca de 900 unidades do mundo. É consequência do bom trabalho de centenas de professores e da liderança do mestre Carlinhos e da diretoria da Gracie Barra. Mais do que imaginar minha equipe apenas daqui a 5 anos, espero que o nosso esporte cresça como um todo, que o nível de serviço de todas as academias se eleve assim como o nível das competições.
Acho que a comunidade do Jiu-Jitsu está no caminho certo. Vejo atletas e professores incríveis em vários times. Muito bacana ver onde já chegamos e acho que não estamos nem a 10% do caminho. Especificamente sobre a Gracie Barra Salt Lake City, em cinco anos teremos alunos muito bem preparados fazendo bonito nos torneios da IBJJF como Mundial e Pan, e sem dúvida alguma estaremos liderando as competições locais. O trabalho apenas começou. Pessoalmente, estou focado no próximo Mundial de Masters da IBJJF.
Quais são as principais diferenças que você percebe ao treinar fora do Brasil? O que é mais contrastante? Você sente saudade de algo em especial?
Acho que a diferença cultural traz diferenças nos treinos aqui nos EUA. Os praticantes, alunos e atletas em geral são muito dedicados. Eles demandam estrutura e querem evoluir, mas querem evoluir rápido. No Brasil acho que temos uma raiz mais marcial, os praticantes entendem mais que é necessário tempo para fruta amadurecer. Mas eu cheguei a pouco tempo também, é difícil ser categórico.
Em termos de treino especificamente, acho que no Brasil temos mais material humano e aqui tem mais estrutura e valorização do atleta. Talvez na Califórnia não seja a mesma realidade porque o esporte é mais popular e há grandes times na região. Minha ideia é ajudar a desenvolver o esporte aqui. Saudade eu tenho é da resenha e do açaí pós treinos que sempre rolava na saída da GB Rio Matriz e da GB Icaraí.
Quais são as lutas de Jiu-Jitsu que mais marcaram você? Por quê?
Sou um grande fã da velha guarda. Há inúmeras lutas memoráveis de grandes ídolos que poderia citar aqui como Marcelinho x Tererê, as lutas do Nino Schembri, os grandes duelos do Marcio Feitosa com Vitor Shaolin, as lutas do Roger Gracie, a lista seria enorme. Mas um dos eventos que me marcou especialmente foi um Curitiba International Open que participei. Estava muito treinado mas não fui nada bem na categoria. Fiquei em terceiro, não conseguia me conformar e me inscrevi no absoluto. Após algumas lutas fui para a final com meu agora grande amigo Julio Viotti. Consegui sair com a vitória e me sagrei campeão absoluto. O mais relevante é que o Julio se sagraria 1º do ranking da IBJJF naquele ano. Ele estava ganhando todas. Realmente merecedor, um grande atleta e grande pessoa. Perdi na categoria e em seguida ganhei do campeão mundial. Não, o futebol não é uma caixinha de surpresas. O Jiu-Jitsu é! Precisamos confiar em nós mesmos. Levantar a cabeça e tentar novamente. Sempre! Isso é o que nos faz artistas marciais.
Qual é o ensinamento fundamental do Jiu-Jitsu?
Acredito sinceramente que os tatames são uma realidade simulada. Um recorte de todos os sentimentos e valores que temos na vida real. Medo, excitação, arrogância, descrença, frustração, perseverança, irmandade e integridade. Se soubermos levar nossas práticas de artistas marciais para fora dos tatames seremos melhores em tudo que fizermos. Saberemos nos relacionar, entender as dificuldades alheias, superar nossos medos e descrenças, lidar com vitórias e derrotas e principalmente mostrar isso ao maior número de pessoas possível.