“Para as coisas importantes, nunca é tarde demais ou cedo demais para sermos quem queremos”. Este belo pensamento é uma das frases finais do filme “O curioso caso de Benjamin Button”, dirigido por David Fincher e estrelado por Brad Pitt. Baseada em conto de F. Scott Fitzgerald, a película narra a história do Benjamin do título, que nasce com o corpo de um homem velho e vai rejuvenescendo com o passar dos anos.
O UFC 267 mostrou que o MMA tem seu próprio Benjamin Button e ele é brasileiro. Glover Teixeira já tinha uma história de luta e superação de dificuldades digna de um filme. Da difícil ida para os Estados Unidos com a negativa para obter visto para trabalho a se tornar um dos treinadores da lenda Chuck Liddell; da chegada ao UFC no já longínquo ano de 2012 à sequência de vitórias irretocáveis que o levou à disputa do título meio-pesado contra o bicho-papão Jon Jones, a saga de Glover supera muito o que as breves linhas desta crônica podem apresentar. Vamos focar apenas no inusitado conto de rejuvenescimento de um lutador após o que era considerada a passagem do auge à decadência de sua carreira.
Apesar de não ter feito feio, Glover foi dominado no confronto contra Jones – como havia acontecido com quase todos que chegaram a enfrentá-lo no auge – e perdeu por decisão unânime dos jurados. Com exceção de Daniel Cormier, ninguém chegara ao topo depois de perder para Jon Jones. Daí a carreira de Teixeira passou a oscilar entre vitórias e derrotas. Entre elas, sofreu dois nocautes brutais. Contra Anthony Johnson, recebeu um soco demolidor de quase arrancar a cabeça com apenas 13 segundos de luta. Contra Alexander Gustaffson, foi alvo de sequências rápidas que fizeram parecer que o brasileiro estava lutando em câmera lenta.
Com a derrota para Corey Anderson, pouco antes de completar 40 anos, chegou um ponto em que nem o maior entusiasta de Glover acreditava que ele chegaria a uma nova chance de lutar pelo cinturão. Era um “vovô” do MMA: seu queixo já não teria mais resistência, sua tática já estava mapeada, não teria mais fôlego para acompanhar a nova geração de lutadores que começava a repovoar a categoria meio-pesado. Seu auge havia passado e seu destino deveria ser a aposentadoria, diziam os críticos e a maioria concordava. Só não contavam que a espetacular força de vontade e uma reformulação de estratégia poderiam propiciar a Glover uma segunda juventude e torná-lo um “vovô-garoto”.
Colocado para virar trampolim de lutadores em ascensão, Glover combinou uma disposição de moleque com a experiência de um craque que conhece os atalhos do campo (no caso, do octógono), para vencer os jovens Karl Robertson, Ion Cutelaba e Nikita Krylov. O brasileiro provou que merecia respeito. Seu desafio seguinte seria o americano Anthony Smith, um top 3 do ranking e conhecido por ter enorme resistência. O “vovô” não aguentaria cinco assaltos de movimentação em alto nível. Mas o que se viu foi justamente o contrário: após os rounds iniciais de luta, era Glover quem estava melhor fisicamente e quem aplicava a pressão. Quanto mais os rounds passavam, mais dominante ele se tornava. No quinto round, Glover derrubou e aplicou uma sequência dura de golpes no desgastado Smith até a interrupção da luta por nocaute técnico. Quem era mesmo o mais velho nesse combate?
O que ocorrera até ali fora surpreendente e Glover voltava à parte superior da tabela. O caminho o levara a uma luta de eliminação contra o brutal conterrâneo Thiago Marreta. Marreta era o favorito e esperava-se que ele repetisse o nocaute avassalador que Anthony Johnson aplicara no veterano. A imprensa já falava de revanche entre Thiago e o campeão Jan Blachowicz na seguinte disputa do título. Na luta, contudo, o bom e velho Glover se apresentou mais jovem do que nunca. Com a pujança de um adolescente, Teixeira colocava Marreta para baixo e o dominava, frustrava, desgastava. No terceiro round, Marreta já respirava com a boca aberta e olhava com a tristeza de um idoso abandonado. Glover roubara sua juventude e obteve a finalização por mata-leão.
Em um daqueles momentos espetaculares em que a realidade é mais inacreditável que a ficção, Glover Teixeira chegava a uma nova disputa de cinturão, aos 42 anos. No UFC 267, contra o duríssimo Blachowicz, nosso Benjamin Button parecia ter 22 anos de idade e não de carreira. Usou grande força e velocidade para aplicar uma bela queda em Jan e passou o round inteiro castigando-o. No segundo round, Glover levou a melhor em uma troca de golpes e acertou um cruzado poderoso que abalou o campeão. Depois, com a técnica que só um experiente veterano em corpo de vigoroso novato conseguiria, derrubou Blachowicz com uma puxada de calcanhar, ganhou a montada e aplicou um estrangulamento mão com mão (ou “esgana-galo”) para se tornar o segundo campeão mais velho da história do UFC.
O Curioso Caso de Glover Teixeira é a prova real de que devemos sempre acreditar em nós mesmos, que ninguém pode nos dizer quando nosso tempo já passou. Uma derrota frustrante em campeonato, uma perda de emprego, uma mudança inesperada de carreira, nada disso é o fim. Cabe a nós levantarmos novamente e buscarmos nossos sonhos. Como bem destacou Benjamin Button no fim do filme: “Espero que você viva uma vida da qual se orgulhe. Se você achar que não tem, espero que tenha a força para começar novamente”.