No meio de janeiro de 2016, logo após mais uma exibição impecável e eletrizante de Leandro Lo na Copa Pódio, nossa equipe debatia pautas para a revista seguinte. Surgiu, então, a ideia que já havia sido realizada com outros lutadores fenomenais, como Rickson Gracie e Roger Gracie. Por que não convidar outros campeões do esporte para mandar suas perguntas a Lo? Que curiosidades eles tinham em relação ao astro mas não tiveram a oportunidade de perguntar?
A ideia de pauta foi prontamente acolhida, e os entrevistadores escolhidos. Marcus Buchecha, Michael Langhi, Rodolfo Vieira, Gilbert Durinho, Lucas Lepri, Claudio Calasans, Tarsis Humphreys, Felipe Preguiça e Guto Campos foram os primeiros nomes levantados.
Nove dias depois, o artigo estava pronto, e saiu assim:
“Na madrugada do último dia 10 de janeiro, Leandro Lo comemorava mais um título invicto. Na Copa Pódio, no Rio de Janeiro, o faixa-preta paulista venceu seis lutas para conquistar o GP dos Pesos Leves. Vitorioso em todos os GPs que participou no evento, o líder da recém-fundada equipe Brotherhood Jiu-Jitsu superou, na final, a pedreira Lucas Lepri (Alliance), com uma raspagem: 2 a 0. Eles já haviam se enfrentado nas primeiras fases do torneio, no Grupo Verde, e Leandro vencera graças a uma vantagem após 2 a 2 nos pontos – com uma raspagem para cada lado.
Com sua guarda aberta, rápida e mortal, Lo tem colecionado feitos raros no Jiu-Jitsu esportivo. Por exemplo: foi campeão mundial na faixa-preta em três divisões de peso diferentes – entre os leves (2012 e 2013), entre os médios (2014) e entre os meio-pesados (2015). O objetivo das subidas de categoria, além de buscar novos desafios, é o ouro mundial absoluto da IBJJF, que o tetracampeão mundial ainda persegue. Em junho deste ano, na Pirâmide de Long Beach, na Califórnia, ele vai tentar de novo.
Antes da caça ao ouro inédito, escalamos Lo para mais um desafio, em nossas páginas. Enfrentar as perguntas e dúvidas de alguns dos melhores lutadores de sua geração, muitos dos quais Lo já encarou nos tatames. Veja como ele lidou com este bombardeio, a seguir. Uma coisa podemos adiantar: Lo estava “de boa” e ficou amarradão com as perguntas. Confira.
MARCUS BUCHECHA (Checkmat): “Qual é a sua maior motivação para continuar lutando, já que há algum tempo você não perde na sua categoria? De onde tira a motivação para competir o tempo todo?”
LEANDRO LO: Primeiro queria dizer que fiquei muito feliz de ver essas feras todas me mandando suas perguntas, obrigado. Bem mano, eu acho que minha motivação deve ser parecida com a do Buchecha, que sempre lutou até mais do que eu e disputou e venceu tudo no Jiu-Jitsu. A razão maior é que eu amo muito lutar Jiu-Jitsu, eu gosto mesmo de rolar na academia, é o que eu mais gosto de fazer, ir para a academia, vestir o kimono e treinar contra qualquer um, pode ser menos graduado, mais leve ou mais pesado, sabe velho? Não ligo tanto para derrota, o que eu curto é me testar. Para mim, o campeonato é como o treino, é onde eu posso ver como aquela técnica vai funcionar contra um ou outro. Como eu costumava pesar 76kg, sempre tive essa oportunidade de treinar e lutar com todo mundo, dos leves aos mais pesados no absoluto, e curto muito isso… No Jiu-Jitsu cada dia é um dia: se ontem eu ganhei de um adversário, amanhã ele pode ter encontrado um jeito de me surpreender. Ele também vai evoluir com o tempo e vai tentar criar outras dificuldades. Assim eu fico sempre com vontade de lutar, seja com caras novos ou com os oponentes de sempre, para ver se meu jogo ainda funciona contra eles. Meu desejo de competir também vem da vontade de me testar contra a nova geração do Jiu-Jitsu. Gosto de descobrir se eu ainda estou bem preparado para vencer os caras novos, descobrir como eu vou lidar com o jogo e o gás desses caras novos em competições. Por isso acho que só vou parar de lutar bem velho, quando não estiver aguentando mais ou começar a apanhar demais dos caras. Por enquanto, sou viciado em lutar, só falo em Jiu-Jitsu, meus amigos até brincam: “Vamos falar de outra coisa?”. Mas eu só falo em Jiu-Jitsu praticamente o dia todo (risos).
BERNARDO FARIA (Alliance): “Você mudou algo em sua parte física? Qual é a sua rotina de treinos atualmente? E quantos rolas você costuma fazer a cada treino?”
Antes eu realmente não botava fé em preparação física, achava que bastava rolar e focar nos treinos de Jiu-Jitsu para ir bem nos campeonatos. Mas comecei a perceber que não é assim. Muitas vezes no meio dos campeonatos, especialmente no absoluto, a minha força acabava e só sobrava a técnica. Mas contra caras muito fortes e técnicos eu não conseguia fazer mais nada. Vi que era preciso trabalhar a força e o preparo físico. Meus oponentes são técnicos e fortes, eu não posso ser apenas técnico, acaba sendo uma luta desequilibrada. Hoje eu faço preparação física e musculação com um personal, três vezes por semana. Sobre os rolas, eu costumo fazer de oito a dez rolas por dia de kimono. Dá mais ou menos uma hora e meia de treino de sparring. Faço ainda uns treinos específicos de guarda e passagem de guarda, às terças e quintas, para afiar a posição e lapidar os erros. Segunda, quarta e sexta só sparring. Faz uns três anos que não faço drill.
GRACIEMAG: Entre os poucos títulos que você ainda não tem, está o cobiçado absoluto do Mundial. Você vai ficar triste se terminar a carreira sem esta medalha?
Até 2014 eu entrava no absoluto faixa-preta mais para me testar contra rivais diferentes, mais fortes, mas não pensava nem em ganhar. Era um tipo de diversão, apesar dos sufocos. Mas em 2015 o título virou uma vontade grande, uma obsessão maior. Ano passado eu já estava com muito foco na vitória, mas acabou que não deu, parei na semifinal, no Bernardo Faria. Eu só vou pensar em parar de disputar o Mundial da IBJJF quando ganhar o absoluto. Se eu não conseguir, vou me aposentar bem chateado… É o título que eu mais quero hoje. Vai ser foda para mim se eu não conseguir. Minha meta para 2016 será duríssima: ganhar os três GPs da Copa Pódio, o Mundial e o WPJJC de Abu Dhabi. Vou tentar, né.
MICHAEL LANGHI (Alliance): “Como você divide seus treinos e a periodização para as competições? Há treinos só de drill e outros só de rola? Como você trabalha a cabeça durante os campeonatos, já que entra muito confiante para as lutas? Tem alguma estratégia mental? No que você gosta de pensar entre uma luta e outra?”
Eu acredito muito no meu Jiu-Jitsu, por isso a confiança. Se olho para o oponente e sinto que dá para vencer, que meu jogo vai complicar ele, entro ainda mais confiante. Tem horas que olho para o cara e acho que não vai dar para vencer, em especial os grandões, mas aí entro para me testar e ver o que dá, né. Não costumo pensar em posições ou em que eu vou tentar fazer ali dentro da área de luta, pois isso me atrapalhar. Prefiro deixar fluir na hora. Por exemplo, se eu pensar em puxar para a guarda e traçar toda uma estratégia para a luta voltada para isso, se ele puxar primeiro posso ficar frustrado e precisar repensar tudo. Acho que comecei a melhorar muito nas minhas atuações quando passei a deixar rolar e ver o que vai rolar na hora. Acho que a parte psicológica no Jiu-Jitsu depende muito do treino, se as posições foram bem feitas e funcionaram, você entra confiante para “deixar rolar” na hora. E acaba funcionando.
CLAUDIO CALASANS (Ac. Calasans Camargo): “Como atleta e professor, o que você acha mais importante? Ter o Jiu-Jitsu completo ou se especializar primeiro em ser ou guardeiro ou passador?”
Acho que hoje em dia o cara tem que se especializar, mas nos dois aspectos. Tentar ficar realmente bom como guardeiro e também um ótimo passador. Não tem mais para onde fugirmos. Falo isso para os meus alunos. No Jiu-Jitsu de competição então, isso é ideal para enfrentar e surpreender qualquer oponente, seja qual for o jogo favorito dele. Todo mundo hoje puxa bem, e ataca bem por cima. Talvez o mais importante ainda seja não perder uma posição boa. Ficar especialista em finalizar nas costas se chegar nas costas, não perder montada e tal, ter uma guarda que complica muita gente, e uma base para não ser raspado por muita gente, uma boa queda. Quando você não está mais vulnerável e se sente seguro, e quando são poucos os que conseguem achar sua falha, você está no caminho certo. Acho que ser hoje um bom lutador de Jiu-Jitsu é ser um bom guardeiro e um bom passador, caso contrário você é um cara um pouco incompleto. Por isso no início acho que o aluno tem que treinar, rolar, competir o tempo todo, e só depois pensar em estratégia, parte física. O oponente tem que olhar para você e ficar desconfortável, com receio da sua guarda, da sua passagem, da sua derrubada. Sempre busquei isso para mim e receito isso para os alunos.
TARSIS HUMPHREYS (Alliance): “Qual foi a sua dieta para a Copa Pódio? Você se sente diferente quando luta fazendo dieta e comendo de forma saudável ou prefere lutar comendo tudo, seguindo aquela sua dieta nada ortodoxa?”
Eu comia de tudo, tomava até refrigerante até há pouco tempo. Mas fui a uma nutricionista em dezembro, antes de lutar o GP dos Leves da Copa Pódio, e confesso que me senti muito melhor (risos). Acordava melhor para treinar de manhã, senti o corpo mais leve para treinar. Pedi uma dieta especial para subir de peso agora. Parei com a coca-cola, agora só em alguns fins de semana. Estou na dieta oficialmente, agora sigo o regime de um atleta.
GILBERT DURINHO (Atos): “Quais foram os cinco rivais mais duros que você enfrentou até hoje, aqueles adversários que deixaram você em mais desconforto? E você pensa em competir no MMA?”
Pô, velho, eu acho todo mundo muito duro! Talvez eu possa listar cinco, sim. O Durinho era um deles, foi o cara que me botava muita dificuldade quando eu cheguei na faixa-preta, mas hoje está no MMA. Hoje, eu diria que são o Rodolfo Vieira, porque passa a guarda muito bem, é forte e tem muito gás; o Marcus Buchecha, contra quem fazer uma vantagem já é um esforço absurdo, acho ele um cara muito inteligente, que sabe exatamente o que está fazendo numa luta, que ataca na hora certa além de se defender bem demais; o Lucas Lepri estaria na lista, com quem lutei a final da Copa Pódio agora, pois em qualquer posição que ele cai ele tem muito recurso, sabe sair de todo ataque, seu Jiu-Jitsu é excelente mesmo; e o Felipe Preguiça, que tem muito Jiu-Jitsu e muito coração, não desiste nunca; e o último, já que não dá para citar mais cinco ou dez, seria o Keenan Cornelius, muito técnico e perigoso com sua guarda-lapela imprevisível, cada hora ele cria uma coisa nova. Posso falar mais um? O Bernardo Faria, que tem uma pegada forte e tem um gás incrível além de tudo. Sobre o MMA, não penso. Está dando para viver bem do Jiu-Jitsu, com minha academia e meus patrocinadores, então não penso em começar tudo de novo no MMA por enquanto. Nem sei se meus patrocinadores iriam continuar me apoiando em outro esporte. Nunca digo nunca, mas por enquanto não tenho esse objetivo.
Relembre uma aula galáctica de Lo, Rodolfo Vieira e Felipe Preguiça, aqui.
RODOLFO VIEIRA (GFTeam): “Sobre Jiu-Jitsu, eu não tenho muitas dúvidas, pois a gente conversa muito. Uma dúvida que eu tenho é: com quem você aprendeu a dançar tão bem?”
(Risos) O Rodolfo é demais… Eu não danço bem coisa nenhuma. Acho que aprendi vendo o Jacaré do É o Tchan dançar. Tô brincando, ainda estou aprendendo.
GUTO CAMPOS (Atos Guetho): “Quando você entrou no Jiu-Jitsu, qual era a sua intenção? Queria apenas aprender uma arte marcial ou já pensava em seguir carreira no esporte?”
Eu não era muito bom na escola, então sempre quis lutar e praticar esporte. Com 18 anos, quando eu era faixa-roxa, fiquei viciado em Jiu-Jitsu e sonhava viver da arte suave, mas teve uma fase em que a coisa ficou difícil e tentei arrumar um emprego numa empresa. Mas logo percebi que aquilo não me faria feliz e insisti.
GRACIEMAG: Você tem aumentado bastante sua média de finalizações nos campeonatos, concorda? Você mudou sua mentalidade nos treinamentos?
Antes, quando eu passava a guarda nos treinamentos, eu voltava para a guarda do cara para tentar passar de novo, para ficar um passador mais perigoso. Hoje eu tento encontrar as brechas para finalizar. Busco mais as finalizações no treino, e nos campeonatos tem acontecido mais.
GRACIEMAG: Por que sentiu que era a hora de criar a própria equipe, a Brotherhood?
Uma hora você tem que seguir seu caminho, né? Achei que chegou a hora este ano. Eu me senti muito entrosado no treino com os amigos, com essa galera. Comecei a puxar um treino com essa galera de manhã, e criamos um vínculo muito forte, uma união muito grande. Acabamos decidindo junto montar uma equipe própria, só com os amigos que treinam juntos e sempre se ajudam. Foi uma sequência natural na vida de um atleta. Oss, galera.