[ Por: Rafa Ribeiro, preparador físico ]
“Realmente nunca é mole, mas com amor tudo fica mais fácil…”
Tais foram as palavras do atleta Jaime Canuto quando eu o parabenizei pelo que ele e a esposa, a também atleta Amanda, fizeram nesse Mundial.
Dentre diversos momentos espetaculares do Campeonato Mundial de 2022 da IBJJF, como a aposentaria da lenda Xande Ribeiro e a consolidação do candidato a lenda, Mica Galvão, quero mencionar o trabalho do casal Jaime e Amanda Canuto, com a futura campeã e a recém-nascida Esther.
Sábado e domingo foram os dias dos faixas-pretas. Estava eu lá acompanhando dois atletas, Jonnatas Gracie e Matheus Spirandeli, com o trabalho minucioso que muitos de vocês já conhecem.
Lá na Pirâmide do Mundial, a área de aquecimento fica embaixo de uma das arquibancada. Foi lá que passei grande parte dos dias. Nos intervalos das lutas dos atletas que trabalham comigo, me mantive atento à rotina de cada atleta que estava por lá. Vi de tudo, desde aquele que tem uma rotina muito bem definida até mesmo o que só acorda e vai na fé.
No sábado mesmo, eis que vejo um adversário de outros Mundiais, Jaime Canuto, chegar com seu kimono e uma criança no colo. Quando eu preparava o Isaque Bahiense, eles lutaram quatro vezes, por isso eu conhecia bem. Ao vê-lo, pensei logo: ele deve ter sido pai há pouco tempo, mas conseguiu estar aqui para lutar. Verdadeiro guerreiro.
Para quem ainda não desfrutou da paternidade, saiba que esses primeiros meses são árduos – noites sem dormir e um bom gasto de energia são investidos no recém-nascido. Como um atleta de alto nível como o Jaime, diversas vezes pódio em Mundiais, conseguiu estar ali? Essa foi minha primeira pergunta.
Mais tarde, vejo a Amanda, esposa do Jaime, chegar também com seu kimono. Aí me fiz a segunda pergunta: ela vai lutar?
Imaginem, se para o homem que acaba de ser pai é uma árdua tarefa, dá para medir o sacrifício da mãe?
Vale ressaltar que fisiologicamente há sim muita diferença entre os gêneros. Só para começar, foi a mulher que passou por nove meses de mudanças bioquímicas, estruturais e morfológicas. Ainda na gestação e por se tratar de uma atleta de Jiu-Jitsu, uma modalidade de contato, a coisa já fica bem mais complicada do que se ela, por exemplo, praticasse natação.
São meses talvez sem treinamento para elas. Após o nascimento, vamos acrescentar uns 30 a 45 dias sem atividades físicas. E além da falta de ritmo no tatame, do tempo de posição e da perda de condicionamento físico geral, ainda há a parte da perda de peso. Para quem desconhece esse assunto, a mulher ganha no mínimo nove quilos durante a gestação – e a Amanda ganhou 13.
Pois é, você tem o corpo completamente mudado, com mais peso, menos preparo físico, menos tempo para treinar e uma árdua rotina diária. Como assim ela está aqui para lutar, pensei, incrédulo.
Foi exatamente o pensamento que tive na hora. O dia foi se passando e o que vi foi uma perfeita harmonia de casal e de família. Eles se revezando entre o tatame, os cuidados com Esther e também no córner um do outro. Era simplesmente espetacular de ver. Logo passei a torcer para cada um deles vencer.
Engraçado como é a vida, sempre estive do outro lado como adversário e analisando os pontos fortes e fracos do Jaime, e agora estava ali torcendo agoniado pela vitória dele e da esposa.
O sábado terminou com Jaime perdendo nas oitavas, mas a Amanda foi para a final no domingo.
Nas finais, fiquei na primeira fila da arquibancada para curtir o espetáculo. Eis então que entra um dos casais mais casca-grossas da história do Jiu-Jitsu moderno:
Jaime carregando Esther no colo e a Amanda pronta para fazer a final com uma pedreira como a Bia Basílio.
Alguém na plateia me disse que tinha visto ela acabar de amamentar momentos antes da final peso-pena. A área de aquecimento da Amanda era do lado de onde fiquei. Peguei então meu celular e fui lá registrar esse momento.
Primeiro fiz a foto que inicia este artigo, onde ambos pareciam estar em casa cuidando da Esther, num momento comum de um dia qualquer. Foi realmente uma cena tocante, em que sentimentos antagônicos como paz/amor e guerra/estresse coexistiam em perfeita harmonia.
Em seguida, chamei “Jaime”. Eles olharam e fiz uma linda foto de uma família vencedora.
Quando ela pisou no tatame, torci como se fosse um atleta que trabalha comigo por décadas. Não deu. A Amanda acabou perdendo num pequeno detalhe para a Bia Basílio e ficou com o vice-campeonato.
O que não muda em absolutamente nada essa história. Eu trouxe na verdade a história por trás de uma foto, inspirado nos veteranos de coberturas, para exemplificar o que é o esporte de alto rendimento.
Alto rendimento é ter acima de tudo amor pelo que faz. Certa vez, Mahamed Aly me disse que era impressionante o amor que eu colocava no meu trabalho e a energia que investia em todos os atletas que trabalhavam comigo. Quando Jaime me disse que “com amor tudo fica mais fácil”, instantaneamente ele me respondeu as questões que eu me fizera quando vi os dois chegando com a Esther. Parabéns aos três pela imensa façanha.
Para você, leitor, que deseja atingir grandes objetivos na sua vida, tenha certeza que com amor tudo fica mais fácil. Oss!