As lições de Eliza e Pedro Damasceno, o mais novo casal faixa-preta dos Emirados Árabes

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Emocionada, Eliza recebe a faixa-preta de seu marido e mestre. Foto: Divulgação

A praia de Ras Al Khaimah, nos Emirados Árabes, recebeu em março um grupo animado, mas com trajes um pouco diferentes dos usuais banhistas. Era a trupe liderada pelo professor Pedro Damasceno, brasileiro radicado em Abu Dhabi, que juntou os companheiros de treino para uma missão: graduar, mantendo o segredo até o fim, sua esposa à tão desejada faixa-preta.

“Como a maioria dos clubes em Abu Dhabi segue fechada por conta da Covid-19, tive a ideia de fazer a festa de graduação na praia aqui em frente de onde moramos”, contou Pedro ao GRACIEMAG.com. “Para que fosse ainda mais surpreendente e emocionante, combinei com os demais treinadores que estávamos marcando um suposto treinão aberto na praia, e só ela não sabia do que viria.”

Eliza Damasceno, 11 anos de Jiu-Jitsu, foi então graduada com méritos, e num cenário inesquecível. Entrevistamos a professora, para saber que lições ela tirou da celebração praiana, e o que aprendeu nesses anos todos de treino.

GRACIEMAG: Após mais de uma década, a merecida faixa-preta. Conte-nos sobre seu início nos treininhos?

ELIZA DAMASCENO: Iniciei no Jiu-Jitsu a um mês de completar meus 29 anos. Foi uma oportunidade boa pois enfim pude entender como o Jiu-Jitsu era muito mais que um esporte, e sim uma filosofia de vida um estilo de viver, que pode ser ainda mais essencial para as mulheres. Sempre gostei de praticar esportes e o Jiu-Jitsu me conquistou desde o começo por ser uma arte que mistura estratégia com força, explosão com autocontrole. Sempre fui muito competitiva e enxerguei no Jiu-Jitsu a oportunidade de me colocar à prova em competições. Mas ter todo incentivo do meu marido, o Pedro, foi o que fortaleceu mais ainda a minha vontade de aprender a arte suave, e ir subindo degrau a degrau a cada treino.

O que você aprendeu de mais valioso, da faixa-branca até a faixa mais escura?

Antes mesmo de vestir o kimono pela primeira vez, eu ouvia do Pedro sobre suas vivências e conquistas e via nos olhos dele o quanto o Jiu-Jitsu tem essa energia transformadora. Percebi que se me dedicasse eu poderia saborear um pouco daquilo tudo. Mas alguns pontos acho importante destacar: aprendi com o Jiu-Jitsu que sou muito mais capaz do que minhas inseguranças e as minhas incertezas. Hoje, vejo o Jiu-Jitsu como ferramenta transformadora de qualquer indivíduo, graças aos valores que aprendemos e reforçamos diariamente, como o respeito, a disciplina, o comprometimento e a autoconfiança. Aprendi, por fim, que meus erros e derrotas só me deixam mais forte. Por essa variedade de lições poderosas, o Jiu-Jitsu deve ser espalhado e treinado por todos, inclusive para a juventude nas escolas, como é feito com tanto sucesso aqui em Abu Dhabi, por tantos anos.

Você engravidou enquanto treinava. Conte o que aprendeu?

Quando engravidei da Katharina eu tinha acabado de conquistar a faixa-roxa. Estava num ritmo bom de treinos e competições. Quando ela completou 6 meses, já voltei a treinar. Minha professora na época, Polyana Lago, me ajudou muito, me incentivando mesmo com minha filha que mamava em livre demanda. E assim consegui entrar no ritmo de treino novamente. Foi quando comecei a sentir vontade de competir, mas minha preocupação era que desse modo eu não produzisse mais leite. Bateu, ali, uma sensação ambígua de querer me dedicar mais aos campeonatos e ao mesmo tempo me dedicar à minha filha. Mas Deus e meu marido fizeram de tudo para eu conseguir encontrar tempo e forças para não desistir. Os Emirados Árabes me deram muitas oportunidades de competir, aqui havia várias etapas dos torneios internacionais e dentro de mim sempre vinha essa vontade de voltar a competir. Quando vinha a insegurança, eu pensava na minha filha, e no quanto ela iria se sentir orgulhosa de mim. E de fato foi sempre assim: eu voltava com a medalha e ela se sentia também como uma pequena campeã. E isso só me motivava mais ainda.

Mas certamente houve noites mal dormidas…

Sim, teve uma vez em que tive de colocar na balança: no dia antes do Al Ain Open, minha filha teve febre e chorava de dor de ouvido. Fomos às pressas, durante a madrugada, para o setor de emergência do hospital. Depois de medicada, fomos para a casa, a febre havia baixado. Na manhã seguinte, com incentivo do meu marido, consegui lutar e ainda venci minha categoria. Acho que até venci mais rápido, porque o que eu mais queria era correr para casa e ficar grudada com minha pequena e dar muito amor a ela.

Equipe reunida nas areias de Ras Al Khaimah. Foto: Divulgação

Como é dar aulas para meninas em Abu Dhabi?

Desde o início, minha maior preocupação foi conquistar a amizade das aluninhas, enquanto conquistava o respeito das diretoras e funcionários da escola. A partir do momento que eu demonstrei que eu me entregaria de corpo e alma àquela escola, me mostrando disponível, solícita, pró-ativa, interessada com tudo o que se relacionava à escola, tanto as alunas quanto o corpo docente me enxergaram como uma peça importante para o bom desenvolvimento das estudantes, de modo geral. Essa troca de relações positivas é crucial, pois logo transborda para os pais, que também são peças fundamentais para a adesão das meninas às aulas de Jiu-Jitsu, e posteriormente nas excursões aos campeonatos, e na hora de participar dos torneios. Na primeira escola em Al Ain, que faz parte de Abu Dhabi, tive uma grande parceira, a treinadora Bruna Marques. Na época, eu era faixa-roxa e ela já era faixa-preta. Nosso entrosamento e respeito mútuo fizeram nossa escola conquistar muitas medalhas e uma ótima adesão das alunas às aulas de Jiu-Jitsu. E meu Jiu-Jitsu também ganhou muito graças à essa proximidade.

E a graduação? Desconfiou de nada mesmo?

Essa conquista da faixa-preta foi uma das melhores sensações que já tive na vida, ainda melhor do que quando me formei em Psicologia na UFSC em Santa Catarina. O modo que o Pedro organizou tudo, como se fosse apenas um treinão na praia, fez de tudo ainda mais especial. Lá eu me vi cercada de pessoas que foram muito importantes na minha trajetória, mas não desconfiei. Tenho um marido muito apaixonado e dedicado ao Jiu-Jitsu, e receber dele a faixa-preta significa que estou fazendo tudo certo. Afinal, ele é muito exigente e leva muito a sério as graduações dos seus alunos. Além de toda emoção vivida na praia, uma sensação de responsabilidade tomou conta de mim ali. E é curioso, pois junto com a faixa você ganha uma sede de aprender mais ainda, para fazer jus à honraria. Sou abençoada de ter como mestre e professor o meu marido, assim como a professora Polyana Lago. Sem contar os professores incríveis Antonio Vinicius e Huggo Maciel, que dão aulas para nós nestes últimos dois anos. Hoje estou com 40 anos, e pronta para aprender por mais 40 anos!

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