[ Por Rafa Ribeiro, preparador esportivo]
Depois de dois anos e meio, o Mundial de Jiu-Jitsu da IBJJF enfim está de volta ao cenário competitivo da modalidade.
E fica difícil falar sobre as expectativas e os detalhes para o evento mais importante do calendário sem mencionar o cenário causado pela pandemia de Covid-19.
Quase todos tiveram suas rotinas alteradas. Preocupações surgiram de todos os lados, desde a manutenção de rendimentos até se o supermercado teria mantimentos para todos. Treinos tiveram de ser suspensos, academias fechadas e muita tensão e incerteza. Aos poucos as coisas foram voltando, e em 2020 tivemos um grande crescimento dos eventos de lutas casadas e também os primeiros eventos da IBJJF.
Esse cenário desequilibrou um pouco a balança competitiva. De um lado, atletas que fora capazes de se manter de algum modo treinando e competindo; e do outro, aqueles que precisaram trabalhar em outras áreas. Existe um atleta que trabalha comigo que precisou fazer entrega de comida aqui nos Estados Unidos, por exemplo.
Além da diferença de ritmo e de competitividade, constatamos também um aumento considerável do risco de contusões ao voltar aos tatames, e principalmente para aqueles que pegaram lutas e eventos em cima da hora apenas por precisarem do dinheiro.
Além dessas, as dificuldades pré-Mundial envolveram ainda outros fatores.
1. Os EUA abriram para os viajantes do Brasil no início de novembro e com isso começaram as primeiras batalhas: o visto, entrevistas de urgência no consulado e passagens com preços altos e conexões difíceis. Atletas experientes como o campeão Patrick Gaudio passaram por dificuldades, como incerteza sobre a viagem, passaportes ainda em processo de visto etc. Como esse processo de visto e passaporte acaba por sair na última hora, o atleta precisa estar pronto e com muita organização para chegar a Anaheim, na Califórnia, adaptado ao fuso horário, que é de cinco horas a menos.
2. O clima na Califórnia anda bem diferente do Brasil também. Aqui é inverno e no Brasil é verão. Então é bom ter roupa quente na mala, usar meias em grande parte do dia e outras medidas. Mantenha o pescoço e o peito sempre aquecidos e cuidado com a friagem após suar. Isso pode evitar resfriados indesejados.
3. O ideal é chegar ao local do Mundial com pelo menos cinco dias de antecedência até o dia de lutar. A ideia é ter um dia para cada hora de fuso. Quanto mais planejada a viagem na medida do possível, melhor. É preciso pensar em hotel, carro, academia de preparação física e tatame – e um aspecto especial: se o lugar vai ter sauna. Isso mesmo, um dos principais itens da minha lista de recomendações é pegar lugares com sauna ou jacuzzi. Por dois motivos: para controle do peso e relaxamento muscular. Gosto também de contar com uma pequena lista de remédios liberados, para dar suporte emergencial aos atletas. Construí esta lista com o doutor André Wajnsztejn, e sempre consulto ele antes de recomendar. Por isso é importante planejamento e organização.
4. O peso merece um tópico específico. Nunca fiz um levantamento mas creio que esse seja o ponto que preocupa a grande maioria dos lutadores de Jiu-Jitsu, talvez 90% dos competidores. Contar com um(a) nutricionista que entende da rotina de atletas de Jiu-Jitsu e vive esse universo pode fazer muita diferença. Opte por nutricionistas ligados ao esporte, não estéticos. Performance é outra história, e um nutricionista com vivência pode ser determinante para o sucesso no evento. Já vi dezenas de atletas comprometerem muito suas performances por problemas com o corte de peso, afinal, na IBJJF o atleta pesa logo antes de lutar e isso é bem diferente do UFC e de outros torneios. Para quem está sem nutricionista, duas dicas: controle a ingestão de água e evite alimentos crus. Lembro o exemplo da infecção intestinal que tirou o astro João Gabriel Rocha do último Mundial. Seu professor, Leandro “Tatu” Escobar, me contou que suspeitava de um sushi comprado no mercado.
5. A diminuição gradativa do treinamento é outro tabu que vem há algum tempo sendo quebrado. É uma ideia oposta a de fazer o camp até a véspera, com o atleta muitas vezes levado à exaustão dias antes da competição. Essa alta exigência física gera fadiga, e isso ainda se soma com o estresse emocional e a ansiedade gerados pela proximidade da competição. Portanto, minha sugestão para os últimos dias é que você os dedique a ajustes técnicos e táticos no tatame, além de um treino físico que mantenha as valências do atleta e que gerem baixa fadiga. Existe até um termo específico para essa fase do treino, chama-se tapering, ou polimento. Reduza de 40 a 60% do volume do treino da semana.
6. Por fim, vamos à questão emocional. Hoje temos vários atletas sendo acompanhados por coaches específicos e isso é o melhor cenário de todos. Para aqueles que nunca fizeram, sugiro testar para ver se influencia positivamente na sua atuação. Muita gente comete o erro de querer imitar o que um determinado campeão faz. Ele é ele, você é você! Ele funciona daquele jeito e você talvez nem saiba ainda como é seu próprio funcionamento. Aqui minha dica principal é se conhecer. Saber o que lhe deixa no melhor estado possível. Tem gente que, assim como eu, gosta de sentir raiva do adversário e tem aqueles que gostam de estar feliz e numa sintonia legal, para cima. A música pode ser uma grande aliada, mas cada um também tem suas preferências, do louvor ao metal. Meditação e mentalização também entram no mesmo raciocínio. Resumindo: você precisa de uma rotina bem definida, que gere um gatilho mental para você estar no melhor estado físico e mental possível na hora H.
Estou feliz de escrever este texto direto da Califórnia. Entre trancos e barrancos, com vantagens e desvantagens, teremos enfim o Mundial de volta. O que posso afirmar é que essas são as duas semanas mais importantes do ano para você, atleta que vai competir. Esforce-se, dê o seu máximo e busque realizar tudo da maneira mais perfeita que puder. E para você, que é espectador, essa também é a hora do maior espetáculo da nossa modalidade. Faça suas apostas, e desfrute!