Entro no quarto 436 do hotel Rotana perto das duas da manhã de sábado para domingo, sem máquina fotográfica nem bloco de notas, não como repórter, mas como amigo. Renzo está deitado em uma das camas, Cristina ao seu lado. Também estão por ali Ralph e Flávia, Sérgio Ignácio, Zé Alfredo, Cora, Ruran e Rilion.
Dou um abraço e, quase desfalecido, Renzo balbucia: “Que briga boa hem?”
Ainda conversamos um pouco sobre a luta, ele reclama que não escutava nada, e não sabia que faltavam menos de 20 segundos quando a luta foi interrompida.
“Eu teria encolhido o queixo e tomado soco até o tempo acabar”, ele diz, quase sem forçar para sorrir.
E me pergunta por que pararam a luta, se ele tinha deitado fazendo guarda. Eu explico:
“Você estava em câmera lenta. Entre você ter caído de quatro e colocado na guarda, teve um intervalo de tempo em que você ficou parado, quando o árbitro interveio. Ao meu ver, corretamente”. Ele dá de ombros.
E é arrastado até a banheira, onde fica de molho, tentando se reidratar. E todos nós saímos, deixando ele aos cuidados de Cristina e de seus pensamentos.
No dia seguinte, à noite, ainda mancando, mas com o bom humor de costume, Renzo me conta que assistiu à luta. “Eu vi, teve um ‘delay’. Eu nem lembrava disso. Na verdade, eu estava nocauteado, entre um momento e outro, e quando acordei e virei eu estava agarrado na perna do juiz”, admite.
Aos 43 anos, e uma lenda do mundo das lutas, Renzo estreou no UFC longe do seu melhor como lutador. A despeito disse, ele agregou enorme valor à organização. Tanto que na sexta-feira, dia da pesagem no Marina Mall, em Abu Dhabi, a multidão que tornou impossível sequer fotografar o episódio ovacionou o ídolo, que incrivelmente perdeu cerca de 15kg desde que assinou o contrato para voltar à ativa.
E, mesmo com a derrota, aos 4m46s do terceiro e último assalto, fez uma apresentação digna. Seu adversário, Matt Hughes, venceu o título da categoria duas vezes, e defendeu bem sucedidamente por outras cinco ocasiões. É considerado um monstro do UFC a ponto de Dana White dizer que lutando ou não ele jamais abandonará o evento. Conhecido por atropelar adversários da mesma forma que opera o trator na sua fazendo no estado de Illinois.
Ainda assim, respeitou Renzo a ponto de jamais tentar levar a luta para o chão, mesmo que isso lhe custasse alguns pontos dos jurados que conseguiria com as quedas, sua especialidade. E, enquanto não havia consumido toda a gasolina do brasileiro, levou a pior na troca de socos. Surpreendeu com a tática de chutar a perna de Renzo, coisa que precisou incorporar ao seu jogo especialmente para o combate.
Apesar do início superior, no entanto, Renzo mostrou seu valor justamente no final, quando já sem gás e sem chance, já perdia. Ligou o piloto automático e foi na base da valentia que o caracteriza, visivelmente sem condições de continuar. E, ainda assim, capaz de proporcionar ainda mais honra ao adversário, como por exemplo, quando foi erguido por Hughes para que a luta voltasse em pé, após ser derrubado com um chute.
O costume árabe prega que quando um membro da família real chega num ambiente, todos se levantam. Renzo não pôde perceber, pois saiu do Octagon carregado pelos segundos, olhar perdido para o chão. Mas a primeira fileira de um dos lados do Octagon era ocupada por ilustres convidados locais. E, quando Renzo passou por lá, todos se levantaram. Ainda que derrotado, o príncipe das lutas saiu reverenciado.