Prefeitos prometeram, políticos enrolaram, e o busto de Carlson Gracie (1932–2006) no Rio de Janeiro jamais saiu do papel. A homenagem em bronze ao professor de Jiu-Jitsu e eterno ídolo do vale-tudo nos anos 1950 chegou a ter um local ventilado, em diversos jornais cariocas: seria na saída do metrô da rua Figueiredo Magalhães, em Copacabana, bem perto de onde o Gracie ensinou. No ano de 2015, após uns quatro anos de tentativas, a prefeitura descartou instalar o busto.
A equipe GRACIEMAG, formada por admiradores ferrenhos de Carlson, aprendeu muito com o primogênito de Carlos Gracie, e tenta sempre retribuir tantos ensinamentos. Há dez anos, por exemplo, em revista publicada em 2008, nossos editores imaginaram como seria a entrevista definitiva do Gracie falecido em Chicago, aos 72 anos, por conta de uma parada cardíaca após complicações causadas por uma infecção renal. Relembre o mestre e suas frases favoritas, a seguir, e conte abaixo qual foi a melhor história que você vivenciou com o grande mestre Carlson Gracie, que jamais vai precisar de um mero busto para ser imortal.
Nosso editor-chefe não queria nem saber. Cobrava a reportagem por conta dos dois anos sem Carlson Gracie, o genial carrasco de Valdemar Santana e ilustre formador de feras como Wallid Ismail, Murilo Bustamante, Ricardo Libório, José Mario Sperry, Vitor Belfort, Ricardo De La Riva e outros.
Tal e qual a saudade, o prazo da revista também aperta. Foi quando o email insuspeito brotou no MSN, o programa de mensagens instantâneas usado na redação de GRACIEMAG.
Carlson Gracie (carlsongracie@hotmail.com) estava on-line. Fizemos rapidamente contato. Será que era o grande mestre Carlson mesmo? Tire a prova a seguir.
Mestre Carlson, posso fazer umas perguntas?
Meu filho, deixa eu te dar uma pergunta, essa eu vou sugerir apenas para você e depois me diga se não vai dar um brilho fantástico na matéria. Pergunta assim, “Carlson, você com seus 76kg na época áurea seria capaz de ganhar de um Fedor desses, lutadores de 120kg e…”
Pô mestrão, mas essa pergunta eu lhe fiz anos atrás, você me respondeu que não seria cabotino de achar que poderia vencê-los, mas ai do Fedor e do Minotauro se tivessem seu peso…
Ih, poderoso você! Gostei, boa memória, bichão. Mas realmente, se não fosse a diferença de peso, esses caras na minha época não durariam três minutos comigo!
Como está tudo?
Estou muito bem, sinto falta do pessoal, claro, mas aqui é bom também. É como quando eu vivia em Chicago e ia para o Rio. Quando estava nos EUA, sentia falta do Brasil, e vice-versa… Aqui é tranquilo, clima gostoso, não faz aquele frio desgraçado de Chicago, que eu continuo não desejando nem para meu pior inimigo!
Carlson, tem Jiu-Jitsu no Céu?
Hein…? Meu filho, você é repórter?? Claro que tem, ué. Desde que cheguei estou sendo muito bem tratado. Levei do Homem aqui uma reprimenda de leve, por eu ter dito certa vez, na década de 1990, que ia fazer uma camiseta com a Santa Ceia, comigo no centro da mesa e em volta os traíras tentando tirar o pão da minha mão. Mas até o Leonardo Da Vinci aqui riu da ideia, e o Homem logo estava me pedindo para eu ensinar uns golpes.
Qual é afinal o sentido da vida, grande mestre?
Bicho, isso só vai descobrir quem tiver uma vida honrada, com muitas batalhas pelo caminho. O resto todo mundo sabe, o negócio é viver sem se apegar aos bens materiais e ajudar os outros sempre que tiver chance, não interessa se for teu conhecido ou não. O Homem aqui até me deu uns tapinhas nas costas por eu ter abrigado muita gente lá na academia em Copacabana, chamado moradores de rua para tomar banho de vez em quando e comer um negócio lá, mas eu nem lembrava disso. Agora, se você quer saber o que não ajuda em nada o ser humano, eu digo e repito: cultivar ingratidão, traição, desonestidade, bajular os outros, cobiçar mulher dos amigos, incitar briga, mentir, beber em excesso, ser um chato, usar bombas, esteroides e derivados.
Falando em fazer boa ação, o pessoal aí lembrou a vez em que você ajudou uma senhora a atravessar em Los Angeles?
Poderosa ela, te contaram essa? Mas como eu ia supor que ela só estava tentando trocar um dólar por moedas para botar no parquímetro e pagar o estacionamento? Achei que ela queria ajuda para atravessar a rua, ué… É que, mesmo depois de tanto tempo nos EUA, nunca falei inglês. Mas também nunca precisei. Não me tornei amigo do Susumu Nagao, o maior fotógrafo de lutas do mundo, e ele só falava japonês? E aquela vez que o Carlão [Barreto] apagou o Kevin Randleman num evento no Rio, em 1997? O Coleman entendeu direitinho quando falei para ele, “Ô Coleman, silipi, silipi…” Mas isso tudo foi um tempão atrás, antes dos caras me traírem.
Carlson, como fica o conceito de lealdade aos mestres hoje, com equipes de lutadores de MMA de várias origens diferentes?
Ué, eu mesmo já não treinei o Chuck Liddell? Esse era puro suco, brabo. Ele passou uma semana treinando comigo em 2004, na Califórnia. Pediu dicas para escapar do cem-quilos e voltar em pé. É um atleta fabuloso, aprende muito rápido. Depois de três dias, ninguém segurava mais ele no chão. O que importa é o caráter da pessoa, não em que academia ela começou. No Pride 4, em 1997, fiquei no córner do Hugo Duarte contra o Mark Kerr. “Ah, mas ele é da luta-livre, como pode?” Tanto pode que fiz: o cara era brasileiro, e viajou até o outro lado do mundo, no Japão, para enfrentar um dos maiores lutadores do mundo. Decidi ajudá-lo. Hoje as academias de MMA funcionam de forma formidável, tem contrato certinho. Só não pode ter creontagem com os técnicos. Abram o olho!
Como você vê o aumento crescente de atletas pegos no antidoping, no mundo das lutas?
Ué, eu sempre disse que muita gente usava bomba, taí o resultado. E ainda falta pegar muito mais. Eu na minha época era leve feito o Marcelinho Garcia, e vencia os caras mais pesados. Ninguém usava isso.
Qual afinal é o segredo para ser vitorioso, no Jiu-Jitsu ou no vale-tudo?
Não tem mistério, bichão. O segredo para mim é o de sempre: ter muito gás, porque você não sabe como a luta vai se desenrolar, e jogar sempre por cima. Caiu, levanta, fica por cima e ganha. Isso serve para o Jiu-Jitsu e vale-tudo. Para ter sucesso hoje no ringue tem de saber boxe e muay thai também, que são grandes lutas.
Os treinos da sua época estariam antiquados se comparados com os de hoje em dia?
Claro que não! A gente sempre fez uma parte física forte, para dar gás, como o pessoal faz hoje. E os nossos treinos, se o pessoal continuasse fazendo, não perdia. Por exemplo, na minha época de lutador de vale-tudo a maioria dos meus treinos era com os caras podendo baixar a porrada, e eu só podia agarrar e finalizar, sem dar um soco. O segredo é manter a calma no meio daquelas bordoadas todas, que o Jiu-Jitsu salva na hora do sufoco.
Você sempre foi nosso leitor, mestre. Alguma sugestão de pauta para a próxima edição?
Aquela que cansei de sugerir, ué. Os dez lutadores de vale-tudo mais feios do mundo! Tenho a lista aqui comigo, mas quero ver a de vocês, para ver se vocês estão ficando espertos…
Encontramos um vídeo do seu último seminário, em dezembro de 2005, na academia de seu aluno João Crus, em Dripping Springs, Texas. Podemos divulgar?
Claro, claro, mas isso é bobagem, só um golpezinho.
Para encerrar, mestre. Tem briga de galo aí em cima? Um baralhinho?
Hein? Meu filho, você é repórter??