Capital do Líbano, Beirute retrata bem o país inteiro. Pessoas ricas ou pobres, liberais ou conservadoras, mas todas com um sorriso espontâneo. Enfim, um lugar com a cara do Brasil. Sendo a cara da terra do Jiu-Jitsu, não é difícil imaginar o quanto esta cidade possa se tornar receptiva à arte suave. Foi isso que nos trouxe aqui.
Expor o Jiu-Jitsu e agregar mais adeptos é algo que hoje ocorre em todos os cantos no planeta. Lutadores rompem fronteiras e proporcionam acesso a milhares de pessoas para que descubram o famoso “Jiu-Jitsu life style”.
Aproveitando os charmosos cafés do bairro boêmio de Hamra, tive tempo para refletir sobre os pitorescos lugares que o Jiu-Jitsu me proporcionou conhecer. Num dia você está em Pequim, na outra semana em Las Vegas. Mora em Abu Dhabi e vai dar um treino em Dubai. Dá um seminário no Cairo e visita uma academia na Europa.
Porém, ontem visitei um dos lugares mais miseráveis em que estive nos meus 37 anos de vida. Na companhia de Tareq Saleh, correspondente da BBC Brasil no Oriente Médio, fui conhecer os campos de refugiados palestinos de Sabra e Chatila.
Fui até aquela “popular” localidade pensando de que forma a implantação do Jiu-Jitsu no Líbano poderia contribuir com crianças refugiadas através de um projeto social. Algo parecido com os que vários faixas-pretas fazem, com notório sucesso, em comunidades carentes do Rio de Janeiro, por exemplo.
Devo confessar que me senti perdido. Fiquei embasbacado com o que vi e ouvi, relatos que nem caberiam colocar aqui. Foi como se tivesse caído na guarda 50/50 do Rafael Mendes, ou fica parado ou é raspado. Fiquei calado, não estava a fim de tomar dois pontos.
Quase na saída do campo, meu amigo Tareq resolveu comprar carvão para seu narguilê, e fomos numa pequena tenda da feira que corta a rua principal. Um garoto de uns 12 anos nos atendeu. Ele estava inteiramente “carvoado”, mas não escondia parte de sua pele branquinha, enquanto seus óculos estilo Harry Potter protegiam brilhantes olhos azuis. Pagamos barato pelo quilo do carvão, mas o pequeno refugiado não aceitou de maneira nenhuma ficar com o troco: “’É o preço justo”, disse.
Preço justo! Contribuir para que crianças como essa tenham acesso ao nosso amado Jiu-Jitsu, buscar alternativas para que um trabalho social seja desenvolvido em regiões carentes, apoiar nosso valorosos colegas professores que estão diariamente ensinando pessoas desprovidas de bens. Sim, isso é um preço justo a pagar por tudo que o Jiu-Jitsu nos proporcionou em nossas vidas.
Saí de Sabra e Chatila finalizado. No entanto, como depois de qualquer treino em que você é derrotado, você volta a treinar forte e buscar soluções para evoluir. E vai tentando raspar, passar a guarda e finalizar. Em Beirute e no resto do mundo, vamos continuar batalhando para tentar finalizar a indiferença.