Apontado como um dos principais coachs do Jiu-Jitsu mundial, o professor Mario Reis detalha na entrevista a seguir como pensa e trabalha com seus atletas campeões, que ajudaram a impulsionar a Alliance para mais um título mundial por equipes em 2019. Confira!
GRACIEMAG: Mario, você é conhecido no mundo do Jiu-Jitsu pelo talento de motivar as pessoas. Mas quem motiva você? Quem motiva o motivador?
Mario Reis: Quem me motiva são justamente as pessoas que eu motivo. Há uma troca mágica entre a gente e isso me enche de vibração. Eu me sinto realmente muito feliz quando percebo que o estado de espírito de uma pessoa se altera positivamente, através do meu trabalho. Isso me motiva muito a seguir em frente. Ou seja, num jogo de palavras interessante, eu posso dizer que “quem motiva o motivador é o motivado”. É essa conexão que torna tudo possível e cria um ciclo motivacional que se recarrega por si só.
A figura do coach ganha muita visibilidade quando estamos falando do treinamento de atletas de ponta. Mas e o praticante comum? Aquele aluno que não tem nenhum grande objetivo competitivo, apenas quer seguir treinando com consistência e ter uma vida saudável. Como motivar esse tipo de aluno?
Acho que o segredo é estimular o aluno comum a alcançar pequenas conquistas a toda hora. Tenho a sensação de que um dos prazeres mais fortes que existem é o da conquista. Conquistas das mais diversas dimensões, isso não importa. Eu ofereço aos alunos comuns a chance de evoluírem em passos curtos, embora muito gratificantes. Seja o aperfeiçoamento da coordenação motora, seja numa melhora de gás, de energia. Seja uma pessoa que começou o treino de mal humor e terminou a aula com um ótimo astral. O que eu busco como professor é fazer o meu aluno se sentir em constante evolução, se sentir apreciado, se sentir um desbravador, alguém que avança num ritmo mais lento que o grande campeão, mas segue sempre em frente, dispondo-se a enfrentar pequenos desafios constantemente nas minhas aulas. Ele precisa se sentir levemente desafiado. Ele vai usufruir de pequenas conquistas e não vai correr o risco de sofrer uma grande frustração por tentar enfrentar os mesmos desafios que o campeão tem que enfrentar para ser, por exemplo, medalha de ouro no Mundial da IBJJF.
“Amor” é uma palavra muito recorrente no documentário “Construindo Campeões”, disponível no Youtube. Qual é o papel desse sentimento na formação de um campeão de Jiu-Jitsu?
Eu acredito muito no amor. Meus alunos têm que entender o quão importante são os companheiros e companheiras de treino. O quão importante são os rivais. Você simplesmente não pode ser egoísta em relação a isso, o campeão precisa dos outros e precisa respeitar isso. Quanto mais um fortalecer o outro mais vamos enriquecer o todo. Um cuida do outro. Agora, por outro lado, ninguém consegue dar algo que não tem. Eu não consigo dar amor ao próximo se eu não tenho amor próprio. Então eu acredito muito nessa necessidade de exaltar o amor de todas as maneiras, um campeão só vai evoluir ao mais alto nível e se manter por muito tempo ali, no topo, se ele tiver esse tipo de percepção.
Você conta que, em alguns momentos da sua carreira de competidor, você sentiu que “a sua chama estava enfraquecendo”. E então era preciso inflamá-la novamente. Você poderia lembrar um desses momentos, contando a razão do seu “desânimo” momentâneo e o que você fez para superar tal situação?
O estado de espírito de qualquer pessoa oscila, não tem jeito. Por mais equilibrado que você seja, é preciso aceitar essa verdade. Mas eu não vejo isso como algo negativo. Pelo contrário. Os desafios e as adversidades estão na nossa vida para dar graça às conquistas. Não existe uma felicidade verdadeira se não houve algum momento de dificuldade ao longo do caminho. É normal que as pessoas errem, se frustrem, desanimem… Mas é a força de vontade para dar a volta por cima que vai glorificar a vitória que ainda está por vir. Quando as coisas não aconteciam da forma como eu queria, eu tentava superar a frustração daquele momento buscando algum aprendizado, algo que me fizesse evoluir e voltar mais forte. Certa vez eu me lesionei dias antes de um campeonato e fiquei arrasado. Mas aí me veio uma reflexão: “Poxa, Mario. Você nunca competiu lesionado. Que tal viver essa experiência agora?”. Eis que esse tal campeonato foi o meu primeiro título na faixa-preta, o campeonato mais memorável da minha carreira. E, veja que curioso, dias antes eu estava completamente triste e desanimado…
Muitos atletas dizem que, antes de conhecê-lo, achavam que você era marrento como competidor. Comentário também recorrente quando descrevem o “momento pré-luta” do seu aluno Nicholas Meregali. Aí, depois que conhecem você como amigo, dizem que não tem nada de marra no seu comportamento…
Na hora em que estamos prestes a competir, o instinto fica muito à flor da pele. Eu acredito muito em “gana”, sabe? A raiva no estado positivo, algo que eu puxava muito de dentro de mim e tentava transformar na máxima coragem, na energia mais poderosa possível para buscar os meus objetivos em combates muito desafiadores. Eu evocava isso, um certo apetite, uma obstinação de atravessar um percurso de grande sacrifício até o topo. Enfim, todo esse estado emocional pré-luta se manifestava com uma expressão facial talvez meio agressiva, sim. Mas nunca foi algo no sentido de querer o mal de um adversário. Eu queria vencê-lo e não podia me preocupar em domar aquela expressão, era algo espontâneo, não era fabricado, eu precisava deixar aflorar, mesmo que parecesse algo feio ou marrento. Eu simplesmente não podia me preocupar com o que os outros estavam pensando, eu estava apenas 100% focado em vencer.
Quais são os mais recorrentes tipos de autossabotagem que você percebe nos lutadores de Jiu-Jitsu?
Acho que o principal mecanismo de autossabotagem é colocar a culpa nos outros, atribuir a terceiros todos os fracassos e problemas da sua vida, fugindo assim da responsabilidade dos fatos.
Você costuma dizer que o trabalho que é feito na sua academia é diferente. Quais são essas peculiaridades?
Não gosto de dizer que é melhor ou pior, afinal, são tantos profissionais maravilhosos no Jiu-Jitsu, todos têm o seu valor, seria uma comparação equivocada. Mas eu gosto de achar que o trabalho que venho desempenhando aqui no sul é diferente. Eu procuro trabalhar muito as emoções dos alunos, de forma que os lutadores alcancem sempre suas melhores versões de acordo com o ambiente em que estejam, seja na academia, no campeonato, em casa, numa festa, e assim por diante. Eu me importo muito com o ser humano que há por trás do aluno, sabe? O Jiu-Jitsu expõe a personalidade das pessoas e o treinador atento tem acesso a esses comportamentos, podendo se empenhar para aperfeiçoá-los. Eu associo muito esse trabalho com a parte técnica, acho que esse é o nosso grande diferencial.
Qual é o grande conselho que você dá aos atletas que estão se aposentando e querem fazer uma transição de sucesso para a carreira de coach?
Primeiro é aceitar que agora, como coach, o ex-atleta deixa de ser o protagonista da história. É importante compreender isso, aceitar isso e gostar que seja assim. Caso contrário, o coach passa a competir com o próprio aluno, o que é um erro terrível. Bem, em relação à dinâmica de trabalho com os alunos, eu creio que o coach deve se preocupar inicialmente em conhecer a fundo os sonhos e os medos de cada aluno. Quando o coach identifica isso com clareza, ele é capaz de traçar estratégias eficientes para que os alunos alcancem todas as suas metas.