Quase vinte anos após conquistar sua faixa-preta de Jiu-Jitsu, o professor Rodrigo Antunes (Alliance Key Biscaine) está se tornando um mestre em outra arte fundamental: a arte de gerenciar o tempo.
Prestes a abrir mais uma nova escola Alliance na Flórida, o professor GMI topou parar um pouco, refletir e responder um grande questionário da equipe GRACIEMAG sobre os passos de sua carreira, os requisitos para ser um bom professor e muitas outras lições. Confira os melhores momentos do papo – em pouco tempo de leitura, você também vai extrair muita coisa útil para sua própria trajetória no Jiu-Jitsu. Oss!
GRACIEMAG: Qual é a primeira lembrança que você tem num dojo?
RODRIGO ANTUNES: Nasci e fui criado no Leblon, onde as opções para atividades esportivas eram praticamente infinitas. Meus pais sempre acreditaram na importância das lições fundamentais aprendidas logo na infância com a escola, a música e o esporte, o melhor meio do jovem conquistar um desenvolvimento completo, isto é, físico-motor, intelectual e comportamental. E assim comecei no judô pouco antes de completar 4 anos de idade, na academia Kodokan, que eu podia ver da minha janela. Aos 8, tive a sorte de experimentar o Jiu-Jitsu e daí não parei mais. Ano que vem, portanto, além de 20 anos de faixa-preta completo 40 anos como praticante de artes marciais.
Quando percebeu que viveria do Jiu-Jitsu?
Como mestre Leão Teixeira, o nosso Zé Beleza, me disse um dia: “O bom professor é aquele que faz o aluno se apaixonar pela matéria.” Eu tive a sorte de aprender com caras que amavam o que faziam. Eles ainda não viviam do Jiu-Jitsu; eles viviam para o Jiu-Jitsu. Eram pessoas com uma condição financeira familiar confortável, que poderiam tranquilamente brilhar no mundo corporativo, mas preferiam se destacar no esporte. Preferiam transmitir o muito que sabiam. Quando adolescente, passei a ajudar sem compromisso nas aulas de criança da escola Nova Geração, e já adorava aquele ambiente de aprender e compartilhar. Mas quando fiz um intercâmbio acadêmico pela faculdade na Califórnia, conheci o Ricardo “Franjinha” Miller. Ao voltar ao Brasil, mesmo ainda trabalhando no mundo corporativo, decidi que ia seguir esse caminho.
Você também treinou com diversos Gracie, com mestre Mehdi e outros craques. Essa diversidade moldou seu jeito de ensinar?
Sem sombra de dúvidas. Numa época em que trocar de academia era um tabu, precisei mudar. Algumas vezes por questões geográficas, ao mudar para bairros distantes, e em outras por afinidade. Mas com isso tive a alegria e honra de aprender com lendas do esporte no Brasil e aqui nos EUA. Isso foi fantástico e fundamental para a minha formação como lutador, professor e ser humano. Aprendi muitas técnicas variadas, mas principalmente pude entender sobre atitude e como impactar a vida do próximo. Com a grande maioria deles mantenho uma amizade forte e ainda compartilhamos experiências, erros e acertos.
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Qual foi a lição mais importante que aprendeu com Mehdi, que faleceu há um ano?
Sensei Mehdi foi um cara fantástico. Tive a honra de estar no tatame com ele no final da adolescência, início da vida adulta. O carinho quase sempre vinha de modo meio bronco, mas sua firmeza sem perder a doçura, e as pancadas que vinham seguidas de um beijo jamais serão esquecidas. Outro grande mestre que me marcou foi João Alberto Barreto, com quem tive os primeiros contatos quando garoto. Depois mais velho nos aproximamos muito, me abraçou como filho e hoje é aquele para quem ligo para pedir conselhos, tirar uma dúvida, validar os conceitos e revisitar as raízes do Jiu-Jitsu. Já Leão Teixeira e os professores Toco Albuquerque e Jiuliano Leon foram e são inspiração no ensino infantil, seja pelo carisma, metodologia ou “talento”. E, claro, não poderia esquecer mestre Sylvio Behring que além de combinar a defesa pessoal e o Jiu-Jitsu esportivo como ninguém, desenvolveu o conceito GPCI (gerenciamento progressivo de comportamento inconveniente), que creio que devia ser pré-requisito para qualquer faixa-preta e professor.
Que técnicas você guarda com carinho desses professores todos?
Muito conhecimento que uso até hoje. Como disse, tive muita sorte de poder viver na mesma época que meus ídolos e poder aprender com eles. Que benção poder aprender defesa pessoal com a família Gracie, as raspagens de Sergio Bolão, a versatilidade do Rodrigo Medeiros, o espírito de samurai do Jorge Pereira, os ensinamentos de Murilo Bustamante – para mim o melhor lutador de todos os tempos –, a didática do Ricardo Franjinha, o jogo fora de série de Jean Jacques Machado e o Jiu-Jitsu completíssimo de Alexandre “Gigi” Paiva, além das chaves de pé do Gokor Chyvichian! Que sorte, né? Sou muito grato a todos eles.
Por que escolheu a Flórida para morar e ensinar?
Eu estava com duas escolas na região de Los Angeles, uma equipe fantástica, treinos de excelente qualidade, competições praticamente todo fim de semana no quintal de casa, convite para superlutas, e tudo mais. De fato não passava pela minha cabeça sair de lá, mas as coisas foram acontecendo. A Califórnia é um lugar sensacional, mas meus pais, que moravam no Brasil, estavam ficando idosos e cada vez mais eu tinha de ir ao Rio para dar uma ajuda. Além disso, tenho uma associação que cresce muito na Inglaterra. Morar na Flórida, além de estar mais perto da minha família, me daria mais mobilidade para estar no Brasil e na terra da Rainha com mais frequência. Foi bem difícil deixar tudo para trás e começar do zero.
Qual é a grande lição para o professor que precisa recomeçar?
O primeiro passo foi encontrar alguém que pudesse continuar o trabalho que iniciamos lá, para deixar nosso legado em boas mãos – ou seja, algum professor qualificado para tocar as academias que fundamos. Ainda sinto saudades das amizades que fiz na Califa, mas graças a Deus é muito trabalho por aqui, estamos crescendo com muita qualidade aqui na região de Miami. Em um ano, estamos com três escolas-modelo e cinco escolas-satélites, transmitindo os conceitos e valores do Jiu-Jitsu e dando oportunidade a professores de viver dignamente através da nossa arte. Minha família está muito feliz aqui e estamos podendo impactar positivamente um grupo de pessoas excelente.
Ensinar Jiu-Jitsu é tão bom quanto aprender? O que te motiva?
Eu sempre digo que no Jiu-Jitsu, você não aprende a fazer uma posição. Você aprende a se conhecer melhor, testar seus limites, enfrentar seus medos, a se colocar à prova a todo instante, e de quebra, aprende tudo isso enquanto se mantém em ótima forma – mental, física e espiritual.
Onde você vê a sua academia daqui a cinco anos?
Há alguns anos eu aboli o termo “academia”. Nosso papel é estarmos junto com os pais e a escola convencional, ajudar na formação do indivíduo. É uma escola, estamos compartilhando educação. Hoje temos um programa bem ambicioso focado no ensino a crianças e formação de instrutores de Jiu-Jitsu. Aqui nos Estados Unidos, sinto que o o karatê e o taekwondo ainda são referências quando se fala em artes marciais para os pequenos. Aos poucos estamos mudando isso, divulgando os conceitos dos Jiu-Jitsu e mostrando que, antes de aprender a dar um soco e pontapé, podemos neutralizar a ameaça sem machucar nem vítima nem agressor.