Professora da Gracie Barra Curitiba, formada em psicologia e campeã mundial master, a brasileira de nome alemão Nika Schwinden é uma voz de destaque no mundo do Jiu-Jitsu feminino. Do alto do seu palanque no Instagram, onde é seguida por mais de 70 mil fãs, a faixa-preta está sempre empunhando bandeiras ligadas às mulheres dos tatames, motivando cada vez mais moças e senhoras a vestir seus kimonos rosas e lutando por mais e mais igualdade.
Em sua autobiografia na rede, Nika relata como o Jiu-Jitsu a ajudou em becos que, para muitos, terminam sem saída fácil. “Quando eu tinha 15 anos, meu pai foi assassinado e minha família ficou desolada”, conta a campeã. “Logo depois perdi meu irmão e esses dois fatos mudaram o rumo da minha história. Crescer em uma família partida, sem o pai e o irmão, me transformou numa pessoa amarga e agressiva, sem visão de futuro ou esperança de dias melhores. Eu não entendia meu lugar no mundo, e me escondia atrás do trabalho, me afastando das pessoas, das relações e do amor”.
Tudo começou a mudar quando, aos 24 anos, a morena que hoje tem sempre um sorriso fácil teve sua filhota, Maria. “Ali o mundo tornou-se colorido para mim novamente”.
Nika então passou a estudar psicologia para entender melhor a mente humana e os rumos da humanidade, mas não foi suficiente. “Percebi que um diploma e o estudo teórico não seriam suficiente, pois o que eu precisava era fazer as pazes comigo mesma”, reflete. E foi aí que surgiu o Jiu-Jitsu.
Desde então, a psicóloga que existe em Nika abraça e acarinha dezenas de alunas no Paraná – donas de casa, fisioterapeutas, jovens com Down, atletas cascudas, e até a filha Maria. Todas unidas ao redor dessa professora que busca entender cada mulher como ela é: “Hoje sou uma pessoa completa, e posso garantir: quando ensino, aprendo muito mais que minhas alunas”. Nesta entrevista exclusiva ao GRACIEMAG.com, a professora distribuiu outras lições valiosas. Confira!
GRACIEMAG: As mulheres nas redes sociais estão pedindo igualdade. O que esse amplo conceito significa na prática para as competidoras?
NIKA SCHWINDEN: É uma luta justa por reconhecimento. O que poucos percebem é que há muitas mulheres habilidosas e promissoras que vêm desistindo do ambiente competitivo por não terem a mesma oportunidade no Jiu-Jitsu que os rapazes. É uma luta de todos e todas – quanto mais mulheres ensinando e inspirando, mais meninas vão procurar as academias – e, com isso, veremos a cada dia menos violência e situações graves contra nós, mulheres. A desigualdade não está apenas no nosso esporte, ainda está em toda parte, infelizmente.
Você viveu perdas tristes na família. Como o Jiu-Jitsu a fortaleceu?
A arte suave me trouxe a possibilidade de reconstruir uma nova família. Foi por meio do Jiu-Jitsu que pude realmente me sentir parte de algo maior. A psicologia fala que a comunhão, a integração, o ato de se sentir parte de algo, talvez seja uma das maiores buscas do homem. E não tenho dúvidas disso, nada melhor do que se sentir pertencente. E foi no Jiu-Jitsu que descobri meu lugar no mundo. Simplesmente o Jiu-Jitsu salvou minha vida.
Como os treininhos trazem paz a você hoje?
Deixemos de lado todos os benefícios físicos, que são muitos: eu acredito que nosso esporte seja o melhor em termos de desenvolvimento emocional. O Jiu-Jitsu incute nas pessoas um tipo de resiliência positiva, onde mesmo vivenciando experiências frustrantes, você sente que se torna melhor a cada dia. Esse sentimento sempre me acompanha, eu me sinto cada vez mais ligada a mim mesma. É aquele lance do autoconhecimento – eu percebo que ao treinar Jiu-Jitsu estou sempre conquistando um entendimento maior sobre muitas coisas fora do tatame. A verdade é que, assim como a vida, nós praticantes de Jiu-Jitsu temos dias árduos, algumas vitórias, mas sempre um novo aprendizado. A arte ensina sempre algo positivo, você se sente conquistando algo diariamente – e se isso não ajuda a dar um pouco de paz, eu não sei o que poderia.
Você hoje é casada com um grande campeão da GB. Como você e o professor Rodrigo “Pimpolho” Fajardo se conheceram?
Pimpolho e eu nos conhecemos há mais de 15 anos, e ambos sempre fomos muito engajados dentro do esporte, o que nos levava a nos encontrar sempre nos eventos. O “Pimpa” é uma criança grande, mas quando se trata de treino, é o cara mais responsável que eu já conheci. Hoje ele chega a dar dez aulas por dia, treina, e continua sendo aquele professor solícito a todos. Creio que poucas pessoas conseguiram fazer o que ele faz, como ele faz.
Numa entrevista você dizia: “Meu sonho é lotar os tatames de mulheres”. Qual é seu objetivo hoje, com suas aulas cada vez mais cheias?
Quero continuar falando de Jiu-Jitsu para o maior número de mulheres possível, para pessoas comuns, senhoras, crianças. Para mim não existe melhor ferramenta de transformação. Nossa luta, com isso, é a velha luta para acabarmos com o preconceito socialmente embutido em nós mulheres.
Qual é o ingrediente principal para uma boa turma feminina de Jiu-Jitsu?
Creio que os semelhantes se atraem, e nada além da cor da faixa me diferencia das alunas, somos todas mulheres nos fortalecendo. Acho que não é a boa professora que faz uma grande turma de mulheres – são elas que fazem isso acontecer. Eu apenas tento manter tudo mais organizado possível, na nossa Gracie Barra Curitiba.