Professor da Aurum Jiu-Jitsu em Blumenau, no estado de Santa Catarina, nosso GMI Jean Feijó sempre refletiu muito sobre a didática e a motivação aos aprendizes na arte suave. Ele recentemente conversou com a equipe GRACIEMAG sobre suas experiências como instrutor de Jiu-Jitsu e as principais lições que aprendeu enquanto ensinava. Confira e comente.
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GRACIEMAG: Qual foi o seu primeiro contato com o Jiu-Jitsu?
JEAN FEIJÓ: Conheci o Jiu-Jitsu, como muitos da minha geração, após assistir o Royce Gracie lutando no UFC. Como sempre fui um dos menores da minha turma, achei legal alguém menor conseguir ganhar de adversários muito mais fortes. Morava em um lugar bem periférico da minha cidade e sem muitos recursos, então não tinha condições de me deslocar até lugares que tinham Jiu-Jitsu. Quando comecei a trabalhar no centro, conseguia ir até a academia e treinava no horário de meio-dia. Trabalhava com comunicação visual e não tinha condição financeira confortável, então ao invés de pagar mensalidade fazia banners, adesivos e outros materiais de divulgação para ajudar o mestre e poder continuar treinando.
Como foram seus primeiros anos aprendendo Jiu-Jitsu?
Meus primeiros anos nas coloridas foram bem legais, treinei e aprendi bastante, mas não foi uma época organizada. Não tive uma metodologia inicial, um treino contínuo ou ensinos sobre a parte estratégica do Jiu-Jitsu. Meu professor tinha a profissão dele e não se dedicava ou se preocupava tanto com o Jiu-Jitsu, então nós também não tínhamos esse zelo. As aulas eram mais voltadas para a descontração, estar lá com os amigos se divertindo. Também por conta do trabalho dele, muitas vezes o professor não comparecia e a aula era tocada por quem tivesse a maior graduação. Geralmente eram os roxas, mas até eu, na faixa-azul, já puxei o treino.
E nas competições, tinha algum interesse?
Quando competi na branca e na azul, tive resultados legais, mas só aprendi sobre as regras na faixa-roxa. Meu professor era um cara muito gente boa e querido, mas, infelizmente, não era muito atento com às regras e estratégias. Nós competíamos, mas se não houvesse finalização, nem sabíamos se ganhamos ou não. Isso atrapalhou um pouco o início da minha carreira na parte da competição.
Outro ponto é que competir nunca foi tão legal para mim. O professor insistia para eu participar, mas quando ganhava, sentia como se fosse uma obrigação, e quando perdia, ficava muito decepcionado. Ainda assim, eu participava porque achava importante para o meu desenvolvimento.
Como se desenvolveu a sua paixão pelo ensino?
Com o passar dos anos, meu professor começou a dar menos aulas e a se afastar do Jiu-Jitsu. Assim que eu peguei a faixa-roxa, meu professor vendeu o tatame dele, a academia fechou e ele começou a dar aulas em menor frequência e na garagem da casa dele. Nós ficamos meio órfãos do Jiu-Jitsu, então eu perguntei ao mestre se poderia alugar uma sala pequena e começar a dar aula aos meus colegas. O espaço era bem pequeno e o tatame era quase do tamanho da sala inteira, de lona preta com raspas de pneu. O objetivo era continuar treinando e receber pessoas novas, caso alguém quisesse treinar com a gente. Não pensava em crescer e ter uma escola, era uma coisa bem despretensiosa, mas foi ai que começou a minha grande paixão no Jiu-Jitsu.
O trabalho de professor pode se mostrar um desafio até mesmo para um faixa-preta. Como você, ainda com a roxa, conseguiu manter uma turma?
Eu tinha por volta de dez alunos. Com o meu professor aqui de Blumenau afastado do Jiu-Jitsu, eu estreitei laços com o líder da nossa equipe, mestre Alexandre Souza. Como ele é de Florianópolis, eu passei a ir até lá com o objetivo de treinar e aprender com ele, além de trazê-lo para ministrar seminários aqui na nossa região. Foi uma grande transformação, nós tínhamos um Jiu-Jitsu muito limitado e, quando começamos a treinar com ele, abriu-se um leque gigante de possibilidades no Jiu-Jitsu, com uma visão técnica e detalhada sobre a arte. Nesse ponto, ainda com a roxa, eu comecei a realmente entender e compreender o Jiu-Jitsu.
Quais são as principais memórias da sua graduação à faixa-preta?
Eu recebi a minha faixa-preta das mãos do mestre Alexandre Souza e do mestre Diógenes Dias, ambos faixas-pretas do mestre Crolin Gracie. Foi um conjunto de sensações, uma mistura de alegria com o peso da responsabilidade, e acabou que não me senti tão alegre. Mas foi um momento importante para mim. Como não tinham outros faixas-pretas na cidade e o meu professor estava afastado, era importante que nós tivéssemos um faixa-preta local. Nesse momento da minha carreira que estávamos crescendo bastante, receber a preta do mestre Alexandre foi muito importante. O mestre Diógenes Dias tem meu respeito, amizade e me ensinou muito, mas o mestre Alexandre Souza é o cara que mais entende de Jiu-Jitsu que eu já vi, tem uma leitura e uma visão ímpar do Jiu-Jitsu. Receber a faixa-preta das mãos dele foi uma honra inenarrável, sinto muito orgulho.
Você ressaltou anteriormente a importância de uma visão técnica para a prática do Jiu-Jitsu. Qual é a importância dessa perspectiva para o ensino da arte suave?
Cada esporte tem uma forma ideal, mas o Jiu-Jitsu é totalmente versátil, então o praticante pode ter qualquer forma física e se dar bem, só depende dele conseguir se adaptar e entender o que ele deve usar. Olhar um atleta e direcionar ele para o perfil de jogo, movimento e estratégia ideal, e depois direcionar outro atleta de forma totalmente diferente é um xadrez muito complexo e eu acho isso fenomenal. Eu posso ser um grande campeão conhecendo cinco ou seis técnicas de Jiu-Jitsu, mas para eu ser um grande professor, preciso conhecer muita coisa e ter uma bom olhar estratégico. Um grande professor precisa gostar muito de aprender para que ele consiga despertar essa mesma paixão no aluno.
Além de atuar como professor, você também é técnico de alto rendimento em Blumenau. Qual é a principal diferença entre essas importantes funções?
Como professor de Jiu-Jits tento desenvolver o máximo dos meus alunos, ensinar tudo que eu acho que eles precisam saber e tornar eles e o Jiu-Jitsu deles cada vez melhor. Como técnico, eu preciso tirar o melhor do atleta, observar o que esse atleta tem a oferecer e insistir nesse ponto para que ele seja campeão. Ou seja, o técnico explora o que o atleta tem de melhor e o professor ensina esse atleta para que ele seja cada vez melhor.
A pressão de competir no Jiu-Jitsu varia entre os atletas, afetando intensamente uns e outros nem tanto. Com isso em mente, como você aconselha seus alunos a lidar com esse problema?
Tenho um aluno que diz que só precisa ser melhor que o adversário em um momento da luta. Eu acho que isso é um grande ensinamento que incentiva a manter o foco na solução. Às vezes, se eu vejo uma luta e considero o foco do meu adversário, o prestígio que ele tem, aquilo vai ser um grande problema para mim. É preciso focar na solução. É fundamental ter essa mudança no pensamento, não questionar se é capaz de ganhar, mas sim como vai ganhar. Tirar o foco do problema e botar ele na solução é um dos grandes ensinamentos do Jiu-Jitsu.
Você considera o preparo mental tão importante quanto o físico?
É preciso entender que o cara pode ter a maior capacidade técnica, força e preparo, mas se não tiver uma boa cabeça não consegue botar o jogo dele em prática. Eu tenho vários alunos com nível técnico altíssimo e que gostam de competir, mas não conseguem render em competições. Por conta disso, passei a me dedicar mais ao estudo da mente humana e comecei a fazer um curso de programação neurolinguística, que é sensacional para o Jiu-Jitsu. Além disso, também estudo coaching para trabalhar melhor com os meus atletas.
E como esses cursos afetaram a sua didática?
Depois que eu fiz esses estudos, passei a ver o quanto o Jiu-Jitsu é transformador na cabeça das pessoas. Na programação neurolinguística, nós mudamos fatores na cabeça de outras pessoas através da emoção e o Jiu-Jitsu funciona da mesma forma. O ensinamento de cair e levantar, por exemplo, é lindo no papel, mas demonstrado não tem preço. Uma coisa é eu te incentivar a ter perseverança e correr atrás da solução para os seus problemas, mas outra coisa é eu te demonstrar isso no tatame. A emoção é a maneira mais eficiente do aprendizado ser absorvido pelas nossas cabeças. Entender isso foi um divisor de águas na minha carreira como professor.
Olhando em retrospecto, quais foram as principais mudanças que a experiência trouxe à sua academia?
Na parte esportiva, eu dei uma freada. Queríamos produzir campeões a todo custo, mas hoje eu estou muito mais dedicado a criar uma boa estrutura porque eu sei que, a partir dela, vão surgir as estrelas que levarão nosso nome para frente. Eu tenho vários campeões aqui, mas nenhum faixa-preta adulto a nível mundial. Sei que assim que formarmos um atleta nesse modelo, vamos atrair vários outros para a mesma trajetória. A partir do momento que um faz, os outros passam acreditar que é possível. Nosso foco com o Jiu-Jitsu é trabalhar nosso sistema de aulas, então nós oferecemos na nossa academia aulas exclusivas para homens e mulheres, para competição, para iniciantes, aulas em inglês e dividimos as idades de forma pensada para maximizar o aprendizado. Hoje, o Jiu-Jitsu está saindo da margem de luta e passando pela margem de esporte, mas eu acredito que o ápice dessa evolução será na qualidade de vida.
Em 2020, a pandemia do Coronavírus chegou com tudo e causou uma brusca interrupção em nossas rotinas e planejamentos. Frente a este cenário, quais são os atuais planos para a Aurum Jiu-Jitsu?
Nós temos várias filiais dentro do nosso estado e já estamos com tudo pronto para abrir a nossa primeira academia na Irlanda, assim que acabar o lockdown por lá. O objetivo é trabalhar no exterior com franquias próprias da Aurum em parceria com professores que queiram atuar naqueles locais. Pensando nisso, eu já disponibilizo o Jiu-Jitsu em inglês na minha academia, que é uma aula comum, mas que nos comunicamos somente na língua inglesa, para que nossos alunos e professores que pensam em ir para o exterior comecem a praticar o idioma.