Tudo bem que seu oponente oferece à disposição dois braços, duas pernas, dois pulsos, e, se você for um grosso, duas orelhas. Porém, se você crê na ciência do puro Jiu-Jitsu, a verdade é que apenas um pescoço é suficiente para você chegar à vitória.
Autoridades incontestáveis como o faixa-vermelha Helio Gracie já vaticinavam que o golpe mais eficiente do Jiu-Jitsu é o estrangulamento. “Sim, pois não tem valente que resista ao sono, qualquer um dorme”, nos disse o professor certa vez.
O que falta então para você dominar de vez os conceitos e técnicas de ataque ao pescoço? O que impede de explorar, nos treinos, estes botes que interrompem o fluxo de sangue que sobe à cabeça do oponente, evitam que o oxigênio chegue ao seu destino e obrigam o oponente a dar os três tapinhas?
Com a ajuda inestimável de Roger Gracie, o maior caçador de pescoços do Jiu-Jitsu mundial, GRACIEMAG busca oxigenar o tema. Tome fôlego. E bons treinos!
GRACIEMAG: Ao longo da sua carreira, que detalhe técnico mudou sua forma de apertar o pescoço dos adversários?
Roger Gracie: Mudou o ajuste técnico. Há sempre um detalhe ou outro que a gente aperfeiçoa, mas o que mudou com os anos foi o encaixe. Eu consigo encaixar melhor os golpes, e ajustar melhor as mãos, principalmente antes de apertar o estrangulamento. Isso para mim é o mais importante. Aprendi a ter paciência. E passei a não arrochar nenhum golpe enquanto a posição não estiver encaixada o suficiente. No estrangulamento da montada, por exemplo, eu não me satisfaço enquanto a primeira mão não estiver enfiada lá dentro, na profundidade que eu sei que o adversário não terá como escapar. Só ali eu arrocho o estrangulamento.
Qual é o segredo desta tão falada “primeira mão”?
É o que a gente aprende desde faixa-branca. É a mão mais importante, ponho os quatro dedos dentro da gola, a palma da mão para cima. Já a segunda mão na gola, a que da pressão, pode entrar de diversas formas. Com quatro dedos da gola, com o outro braço por cima, ou mesmo só o polegar na gola.
Você prefere o estrangulamento da montada aos demais?
Bem, eu encaro o estrangulamento da montada e o estrangulamento pelas costas absolutamente iguais. Não penso em dar espaço em nenhum dos dois para o oponente se virar. Onde eu cair, é dali que eu devo pegar. No que depender de mim, vou finalizar dali mesmo. O que acontece é que, de frente, você pode mirar o estrangulamento e fazer uma troca técnica para o braço, o que ocorre muitas vezes. Pela costas, não. Algo em torno de 90% das vezes, o golpe tentado será mesmo o estrangulamento. E das costas é até mais simples de aplicar, porque basta uma das mãos estar encaixada, não precisa ser funda, o que é uma ajuda e tanto. Por outro lado, você esta brigando com as duas mão livres do oponente. Há golpes, no entanto, que acredito que nunca usei de kimono em campeonatos. Não lembro de ter finalizado ninguém no mata-leão, por exemplo. A razão é que se torna difícil enfiar o braço todo em volta do pescoço do cara, enquanto o pano já está ali, na metade do caminho.
Por que nos campeonatos de hoje vemos menos estrangulamentos tradicionais do que triângulos e afins?
Acredito que o pessoal tem notado uma visão de campeonato equivocada. Em vez de competirem para medirem a qualidade do seu Jiu-Jitsu, treinam para vencer campeonatos. Se o lutador se preocupa apenas em ser um competidor melhor, a tendência é que ele não treine os fundamentos técnicos e as posições específicas. O treino acaba sendo o tempo todo na guarda, que é a posição mais recorrente nas competições. Treinam então para não levarem ponto, e não para finalizar. Esquecem um pouco que o Jiu-Jitsu consiste em passar, montar e pegar.
Por que o pessoal não tem conseguido defender seus golpes?
Porque não treinam isso, acredito. Não faço nada diferente, estou fazendo até os golpes bem básicos, e todo mundo tem observado minhas lutas. Mas se você treina contra um ataque ineficiente, sua defesa também será ineficiente. É um ciclo vicioso, o cara na academia não te bota realmente em perigo, logo você sai e não aprende realmente a defesa.
Logo após sua conquista do tri mundial absoluto, você disse a GRACIEMAG que prioriza o treino específico. Como isso pode melhorar o estrangulamento dos leitores?
Exato, eu fiz isso a vida inteira, um dia tive que ficar bom. O que eu recomendo é que, se você vai treinar duas horas, não precisa ser duas horas de rola. Reserve ao menos meia hora para as posições específicas, para se botar em situações reais. Comece já na montada, você ataca e o companheiro defende. Cinco minutos ou até pegar, e você invertem. Comece no cem-quilos, o cara tenta repor enquanto você tenta montar ou pegar, cinco minutos e troca. Depois, comece já nas costas, cinco minutos e troca. Claro que você acaba treinando mais a guarda, é uma arma importantíssima, mas há outros fundamentos importantes, não esqueça. Caso contrário, o resultado é um aluno ou competidor com um jogo desequilibrado, dono de um desnível absurdo entre os diversos aspectos do Jiu-Jitsu.
O que mais o atrapalha ao estrangular hoje? O que ainda faz você perder uma posição?
A falta de força na pegada é a grande inimiga. Se você cansar e sentir a pegada, não tem jeito. A sua “sorte” será se o inimigo perder as forças antes.
E seus estrangulamentos sem kimono? Estão já chegando ao mesmo nível?
Complica, né? Para estrangular da montada, por exemplo, a eficiência cai de 100% para perto de zero sem o pano. O jeito então é dar porrada e obrigar o cara a dar as costas. A ideia ao montar no MMA, ou mesmo no Jiu-Jitsu sem kimono, é ter ajuste e paciência para minar a resistência do cara e fazê-lo se expor de alguma maneira, dar as costas, um braço.
* Artigo original da revista GRACIEMAG, em 2010. Clique aqui e assine!