O horizonte nunca pareceu tão nebuloso quanto no momento atual. Vivemos uma crise nunca antes vista por nossa geração. A pandemia causada pelo coronavírus mudou o mundo para sempre, esportivo ou não.
Causada por um vírus altamente contagioso e cujas características são pouco conhecidas, a doença Covid-19 se alastra rapidamente, infecta facilmente superfícies e representa risco à vida de todos, em especial pelos problemas respiratórios. Apesar de idosos e pessoas com doenças preexistentes serem o grupo de maior risco, os dados revelam que ninguém está imune. Há muitos casos registrados de óbitos de jovens, de pessoas consideradas saudáveis e mesmo crianças.
Diante da ausência de uma vacina ou de remédios com eficácia comprovada, o isolamento social foi a medida mais recomendada por especialistas. A ideia não é isolar as pessoas para sempre; mas, sim, diminuir a taxa de infectados simultâneos, para que haja tempo de erguer mais hospitais, adquirir mais equipamentos respiratórios e realizar mais estudos, evitando o colapso dos sistemas de saúde. Passada a fase crítica, a ideia é o retorno gradual às atividades.
Mesmo assim, nada deverá voltar completamente ao que era antes. Quanto tempo levaremos para poder voltar a frequentar um cinema? Voltaremos a nos cumprimentar com beijos e apertos de mão? Como há de ficar a economia mundial?
Para os praticantes de lutas e profissionais de artes marciais, os reflexos do coronavírus e das medidas de contenção foram devastadores. Academias precisaram ser fechadas. Eventos de MMA acabaram todos cancelados. Lutadores e professores perderam de repente suas fontes de renda e passam por dificuldades. Apaixonados pelo Jiu-Jitsu – caso deste cronista – sofrem de “crise de abstinência”, por não poderem praticar a arte marcial que amam e que lhes conferia tantos benefícios para sua qualidade de vida. Quando poderemos voltar com tranquilidade aos treininhos?
Hoje, enquanto escrevo, me sinto como se houvesse levado um direto de esquerda de Conor McGregor, seguido de uma joelhada de Wanderlei Silva, derrubado por Khabib Nurmagomedov e sendo golpeado por cotoveladas de Jon Jones, prostrado no chão. Entretanto, se tem uma coisa que o MMA nos ensina há décadas é que, nos momentos de maior dificuldade, a reação mais sábia e produtiva é ter calma – respirar, manter a concentração, reunir o máximo de força de vontade e lutar para se recuperar.
Se você estiver enfrentando dificuldades gigantescas, sentindo-se pequeno e tomando um castigo cruel, inspire-se na sobrenatural resistência de Rodrigo “Minotauro” Nogueira em 2002, contra o ex-jogador de futebol americano Bob Sapp, no Pride Shockwave. Minotauro, 65kg mais leve que Sapp, levou durante dois rounds quedas cinematográficas e pancadas na cabeça capazes de abrir rombos no solo. Apanhou brutalmente por quase 15 minutos e chegou a pensar em desistir. Mas jamais se entregou: o baiano absorveu os golpes, inverteu a luta com uma raspagem de almanaque e finalizou o descomunal oponente. Uma das maiores recuperações da história do MMA.
Se a inércia e todo esse tempo parado estiver incomodando, respire e inspire-se em Randy Couture, velho campeão do UFC, que em 2007 não deixou nem a aposentadoria atrapalhá-lo: tirou as luvas do armário, topou luta contra Tim Sylvia, 12 anos mais jovem e bem mais alto, e conquistou, aos 43 anos, o cinturão dos pesos pesados do UFC, seu quinto título na organização. Perdurar é a lição de Couture.
Se tudo estiver dando errado, reinvente-se e inspire-se na mudança de estratégia de Anderson Silva, no antológico confronto com Chael Sonnen, no UFC 117, em 2010. O mais talentoso striker da história foi posto à prova quando teve seu jogo anulado pelo wrestling e controle de solo do falastrão Sonnen. Derrubado sem demora por cinco rounds, Anderson não conseguia fazer uso de suas esquivas nem de sua temida precisão em socos, chutes e joelhadas. No chão, Silva recebeu mais de 200 golpes em quase 25 minutos. A dois minutos de perder seu título, mudou a tática: chamou para a guarda, ligou o botão do Jiu-Jitsu e finalizou Sonnen com um triângulo épico, para delírio geral.
Se for preciso recomeçar, inspire-se em Murilo Bustamante, em seu feito contra Matt Lindland, no UFC 37. O faixa-preta de Carlson derrubou o duro Lindland logo no primeiro round, passou a guarda e encaixou um justo armlock. O juiz John McCarthy interrompeu a luta mas Lindland, talvez por deslealdade, garantiu que não havia desistido. Para desespero de Murilo, McCarthy mandou a luta recomeçar. O brasileiro sabia o quão difícil era fazer tudo certo, vencer mas ter de recomeçar injustamente de novo. Murilo então transformou a frustração em motivação, voltou ao combate e finalizou Lindland pela segunda vez, agora com uma guilhotina. Uma lição inestimável de força mental que Murilo jamais esqueceria.
Se você tomou um golpe do destino, inspire-se em Georges St-Pierre e em sua lição de aprimoramento. Antes da consagração, GSP teve de escalar uma montanha de oito lutas, inclusive contra BJ Penn e Matt Hughes, até chegar ao trono meio-médio. Sua luta seguinte, contra Matt Serra, parecia uma barbada para apostadores e comentaristas. Mas, no esporte como na vida, tudo pode mudar em instantes. Serra acertou-lhe um cruzado certeiro e nocauteou o ídolo canadense no primeiro round, no UFC 69. Bastou um lance imprevisível para seu cinturão virar pó. Ainda assim, após um tempo de abatimento, St-Pierre sacudiu a poeira: retornou aos treinos, reergueu-se e jurou voltar ao octagon melhor do que jamais havia sido. Dito e feito: GSP lapidou seus pontos fracos, nocauteou Matt Serra na revanche e nunca mais foi derrotado no UFC, tornando-se um lutador quase sem falhas. E um dos maiores campeões (senão o maior) da história do MMA.
Todos esses exemplos nos mostram que, diante de obstáculos que parecem intransponíveis, o importante é jamais ceder ao desespero. Mesmo mais apavorante que um Bob Sapp, essa pandemia vai passar e a humanidade vai perdurar, resistir, e se reinventar. Sim, em breve vamos começar de novo e voltar ainda melhores. Afinal, como ensinava, no antológico filme “Batman, o Cavaleiro das Trevas”, o promotor de justiça Harvey Dent, “a noite é sempre mais sombria pouco antes do amanhecer”.