[ Por Sid Jacintho * ]
Vesti meu primeiro kimono de Jiu-Jitsu em 1991, aos 15. Até aquele ano, eu só treinava boxe e capoeira, em Niterói, no Rio. Foi quando um amigo meu capoeirista me convidou para um treininho na garagem da casa dele. Ele era faixa-azul, e após uma breve introdução, ele me pôs para treinar com um adulto faixa-branca, com meses de experiência. Foi um amasso inesquecível. Apesar do meu sofrimento, fiquei grato e impressionado com a eficiência das técnicas daquele “novo” esporte. Naquele dia, senti que realmente só haveria um jeito de superar um praticante de Jiu-Jitsu: estudando Jiu-Jitsu. Daquele dia até hoje, jamais parei de treinar. E lá se vão 30 anos!
Nos tatames, ganhei meu sustento, fiz amizades que perduram até hoje e descobri que era capaz de realizar coisas aparentemente impossíveis.
E, graças ao Jiu-Jitsu, cheguei a Abu Dhabi quando poucos locais aqui treinavam. Hoje, existem 58 academias nos Emirados Árabes, fora as unidades militares e colégios. Mas depois conto mais sobre isso.
Um dos ensinamentos mais valiosos que aprendi na luta foi a superação. Começar por baixo, manter a calma, respirar e virar o jogo é puro Jiu-Jitsu. De kimono, aprendi a inestimável habilidade de enfrentar qualquer problema de frente. E, por mais difícil que seja, encontrar o melhor caminho para passar por toda turbulência e visualizar a luz no fim do túnel.
O mais importante nesse momento é justamente nos manter em movimento, e continuar a acreditar na nossa capacidade de superação. Você pode até perder uma, mas fica pronto para, na próxima tempestade, surgir mais forte e experiente.
Aprendi também muito sobre respeito com meus professores, um valor que exercemos todos os dias no Jiu-Jitsu. Mas esse atributo eu também tive a honra de aprender com meu saudoso pai, dentro de casa.
Por 11 anos e meio, meu pai teve de passar por sessões de hemodiálise, três vezes por semana, quatro horas por dia. Eu sempre o acompanhava. Não houve um dia em que o velho falou em desistir. Fazia caminhada na praia, sessões de hidroginástica e sempre achava tempo para ajudar todo mundo. Em março de 2005, minha mãe doou um rim para ele, e ele enfim passou a ter a liberdade de tomar água sem restrição, e deixou as sessões de diálise. Durante esse período, recebi convites para dar aula de Jiu-Jitsu fora do Brasil, mas recusei devido à situação do meu pai. Respeito, perserverança, fé no futuro e jamais desistir foram as grandes lições que meu velho pai deixou.
Em maio de 2006, nasceu nossa primeira filha, Pâmela. Nessa época morávamos com minha sogra, e eu precisava dar aulas 6h da manhã, pois às 8h eu já estava entrando no escritório de advocacia, onde trabalhava. Saía do escritório 18h, e retornava aos tatames até as 21h. Momento complicado, ainda mais porque eu não gostava de estar no escritório de terno e gravata, mas era uma fonte de renda necessária.
Sempre acreditei que o Jiu-Jitsu era o caminho, e não desisti nem parei de treinar. Segui lutando, até que em junho de 2007 recebi um convite e fomos todos morar em Abu Dhabi, a capital dos Emirados, onde vivo há 15 anos e busco sempre colaborar para o desenvolvimento do nosso esporte pelo mundo.
Migrar e conviver com uma nova cultura nem sempre é fácil. O fundamental nessa minha jornada foi o apoio de uma pessoa especial, sempre ao meu lado em todas as horas. Durante um dos momentos de maior turbulência na minha vida, eu tive, e tenho até hoje, ao meu lado uma pessoa que fez e faz a diferença diariamente em minha vida: minha esposa Tatiana Haritoff, que também abraçou o estilo de vida do Jiu-Jitsu e hoje é faixa-preta. Assim como nos treinos, na vida precisamos de um(a) parceiro(a) que nos apoie, nos cobre, nos faça ser melhores, que acredite em nós. E não nos deixe desistir.
A Tatiana era personal trainer e cursava educação física, e foi miss fitness do Rio em 2001. Durante a faculdade, ela escutou falar de uma seletiva de judô que daria possíveis bolsas de estudos. Fez apenas uma aula com kimono, caiu dentro da seletiva e conseguiu uma bolsa na Universo, em 2002. Para evoluir nos campeonatos e manter a bolsa, ela começou a treinar Jiu-Jitsu e foi como nos conhecemos. Quando fomos para os Emirados, ela já era faixa-roxa e me ajudava nas aulas.
Foi assim que, em 2008, ela se tornou a primeira instrutora do projeto feminino nas escolas de Abu Dhabi. Após vencer alguns torneios, Tatiana recebeu sua faixa-preta em 2013 – tornando-se então professora, após ser mãe de nossas duas filhas, já que a Pietra nasceu aqui, em 2011.
Como aprendi em casa e nos tatames, as oportunidades costumam aparecer quando decidimos lutar. É preciso estar em movimento, na busca de um melhor posicionamento, para vencer, na vida ou nos treininhos.
Hoje, um dos meus lemas é uma lição que aprendi com Sua Excelência Abdulmunam Al Hashemi, um dos meus primeiros faixas-pretas aqui, e um grande amigo. Como grande líder e responsável pelo Jiu-Jitsu nos Emirados Árabes Unidos, UAEJJF, JJIF, JJAU, AJP e Palms Sports, ele costuma dizer o seguinte: “Eu posso não ser o melhor na minha função, mas uma vez que me foi dada uma oportunidade, vou agarrá-la com unhas e dentes.”
Eu agarrei minha oportunidade. E vocês?
* Sid Jacintho foi entrevistado por Marcelo Dunlop.