Quando o Jiu-Jitsu salvou, no UFC e MMA

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Royce Gracie contra Ken Shamrock no UFC 1. Foto: Susumu Nagao

Do baú de artigos do GRACIEMAG:

O Jiu-Jitsu é o pai do MMA. O UFC foi criado por Rorion Gracie, não como a mistura de artes marciais que é hoje, mas como um desafio entre diferentes técnicas de combate, no qual o Gracie acreditava que poderia provar a superioridade do Jiu-Jitsu brasileiro. Na primeira edição do evento, o que mesmerizou o público foi ver Royce Gracie, um verdadeiro Davi entre vários Golias, vencer três oponentes fisicamente muito mais fortes, usando movimentações de solo e estrangulamentos desconhecidos do grande público. 

A partir daí, o mundo inteiro passou a conhecer e a respeitar o Brazilian Jiu-Jitsu. Como uma criança em transição para a maturidade, o MMA cresceu, evoluiu e transformou-se. Seus atletas multifuncionais passaram a praticar diferentes artes marciais simultaneamente, sendo indispensável o conhecimento de Jiu-Jitsu para sobreviver. Contudo, o UFC é um filho ingrato e renegou suas origens. 

Devido ao desconhecimento dos espectadores em geral, ao apelo estético da trocação e à prática generalizada do wrestling nos Estados Unidos, a organização americana tratou de privilegiar o combate em pé, pontuar excessivamente as quedas e dificultar o desenvolvimento do Jiu-Jitsu. Se um wrestler aplica uma queda e fica sem fazer quase nada por cima, ele não é punido e ganha o round. Quando um praticante de Jiu-Jitsu está usando o tempo necessário para tentar uma transição ou preparando um ataque, muitos árbitros reiniciam a luta em pé. 

Nada me convence da razão pela qual os jurados valorizam mais uma queda ordinária do que uma bela raspagem ou uma difícil passagem de guarda. Como escreveu William Shakespeare: “ter um filho ingrato é mais doloroso do que a mordida de uma serpente.”

Minotauro finaliza no extinto Pride. Foto: Susumu Nagao.

Ainda assim, o Jiu-Jitsu, como um bom pai, sempre está presente e premia aqueles que confiam nele. O MMA deve à Arte Suave alguns dos seus momentos mais emocionantes e memoráveis. Quando Rodrigo Minotauro levava uma surra avassaladora contra o gigantesco Bob Sapp no Pride Shockwave 2002, foram uma raspagem, uma estabilização no cem-quilos e um armlock que o resgataram e tornaram essa luta quase uma epopéia mitológica. Só o Jiu-Jitsu para fazer um lutador superar uma diferença de peso de mais de 60kg.

Usando a Arte Suave, Murilo Bustamante finalizou Matt Lindland duas vezes na mesma luta para sagrar-se campeão no UFC 37. Após desistir ao receber um justo armlock, Lindland, antieticamente (alguns diriam malandramente), disse que não havia dado os três tapinhas e o juizão caiu no blefe. Restou a um revoltado Murilo reiniciar o combate e finalizar na guilhotina, não deixando margem para dúvidas. Quer mais Lindland? Só o Jiu-Jitsu para garantir a vitória contra um espertalhão quantas vezes for necessário.

Murilo Bustamante no ground and pound que lhe daria o cinturão do UFC. Foto: Susumu Nagao

O prodígio BJ Penn era menor e considerado azarão quando pegou as costas e finalizou Matt Hughes no mata leão, tornando-se campeão do peso meio-médio no UFC 46. O mesmo Hughes e Georges St. Pierre resolveram sua rivalidade com Jiu-Jitsu em duas das três oportunidades em que se enfrentaram: uma finalização por armlock para cada um. Só o Jiu-Jitsu para proporcionar esse nível de dramaticidade entre lendas do esporte.

Anderson com o golpe que bateu Chael Sonnen, em foto marcante de Esther Lin

O genial Anderson Silva, conhecido por seu muay thai espetacular, precisou do Jiu-Jitsu para salvar-se no confronto antológico contra Chael Sonnen no UFC 117. Sonnen derrubou Anderson por cinco rounds e já estava contando com a vitória quando, a menos de dois minutos do fim, o brasileiro encaixou um triângulo e finalizou, para delírio da torcida. Só o Jiu-Jitsu para evitar que tivéssemos que aguentar o mimimi de Chael Sonnen até hoje.

Ainda falando de pais e filhos, o filósofo alemão Johann Goethe disse que o milagre é o filho predileto da fé. O gaúcho Fabrício Werdum foi quem mais manteve a fé na Arte Suave, obtendo dela vitórias milagrosas. Com crença inabalável no Jiu-Jitsu e muita inteligência estratégica, Werdum foi para a guarda contra Fedor Emelianenko – considerado o melhor peso pesado da história do MMA -, parecendo que seria alvo fácil para o ground and pound. Na verdade, estava preparando a armadilha que resultaria em um ataque duplo de triângulo com armlock para encerrar a invencibilidade de mais de nove anos do campeão russo.

O histórico triângulo de Fabrício Werdum em Fedor. Foto: Arquivos GRACIEMAG/ Strikeforce

No UFC 188, Fabrício assombrou o mundo novamente, usando seu Jiu-Jitsu de bicampeão mundial pela IBJJF. Cain Velasquez era amplamente favorito na disputa do cinturão peso pesado, mas o sempre subestimado Werdum tinha outros planos. Mostrou melhor preparo e um muay-thai afiado para desgastar o americano. “Vai Cavalo” preparou-se para o momento em que, inevitavelmente, Cain usaria seu wrestling para derrubá-lo, como fizera contra Junior Cigano. Quando isso aconteceu, no terceiro round, a casa de caboclo já estava armada e Werdum o esperava com uma guilhotina profunda. O golpe estava tão encaixado que Fabrício estava sorrindo antes mesmo de Velasquez sinalizar a desistência.

Por essas e outras, concluo com o mantra de todos os adeptos da arte burilada por Carlos e Hélio Gracie: “só o Jiu-Jitsu salva.” Oss!

 

* Mauro Ellovitch é promotor de Justiça, faixa-preta de Jiu-Jitsu e autor do livro “Sangue, Suor & Letras – Crônicas do MMA”.

 

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