BJJ

Submission grappling: uma breve história do Jiu-Jitsu sem kimono

Share it
Ricardo Arona faz guarda, durante o ADCC 2001. Foto: Luca Atalla/GRACIEMAG

Ricardo Arona faz guarda, durante o ADCC 2001. Foto: Luca Atalla/GRACIEMAG

Por Willian von Söhsten *

Cada vez mais a Federação Internacional de Jiu-Jitsu (IBJJF) tem dado importância ao chamado “no-gi”, expressão em inglês para designar o Jiu-Jitsu “sem kimono”. Em algumas academias é possível encontrar um dia específico para o treino dessa modalidade mais casual, muitas vezes na sexta-feira. Em outros lugares há horários sagrados e definidos para o treino sem kimono.

A diferença mais profunda dessa modalidade, num primeiro momento, está nas pegadas. Há que se dominar a nuca, trabalhar esgrimas, isso sem falar que tentar dar aquela “amarrada” para descansar fica um pouco mais difícil sem o pano. É tudo no dobro da velocidade, e ainda escorregadio.

Mas como foi que os Gracie e seus pupilos começaram a vestir o sungão e deixar o kimono, por algumas horas, no armário? A moda teria ganhado força nos tempos de Rolls Gracie (1951–1982), professor de mente aberta que é considerado uma legenda na família. Sempre antenado em se testar em modalidades diversas, como o sambô e a luta olímpica, Rolls levava o que aprendia para dentro do dojô em Copacabana, onde difundia aos parentes e alunos.

Não foi, claro, a primeira vez que lutadores do Jiu-Jitsu vestiram a sunga no tatame.

O treino sem kimono também se fazia necessário com os treinos para os antigos combates de vale-tudo, modalidade nascida nos anos 1920 com grande mestre Carlos e que teve Helio Gracie, seu irmão George e depois Carlson como grandes representantes da família.

Muitos dos desafios no século passado eram realizados com o uso de kimono, e George Gracie teria sido o primeiro dos irmãos a se aventurar em lutas de vale-tudo sem o uso do traje oriental. Eram tempos em que a família do Jiu-Jitsu enfrentava muitos praticantes da modalidade “catch as catch can”, que em tradução livre significa “pegue onde puder pegar”. É uma luta também conhecida como Lancashire wrestling, estilo que nasceu na Inglaterra e é a precursora do catch wrestling, modalidade na qual o ex-campeão do UFC Josh Barnett é um de seus grandes expoentes.

Faixa-preta graduado por Rolls, Carlos Gracie Jr. manteve nos anos 1980 a rotina do irmão, incentivando o treino sem kimono nas academias, e anos depois impulsionou ainda mais o esporte com campeonatos como o Pan Sem Kimono e o Mundial de Jiu-Jitsu Sem Kimono, ambos criados em 2007, que além da bermuda preveem a camisa de lycra como uniforme.

O surgimento do ADCC

O primeiro grande torneio de Jiu-Jitsu sem kimono começou a nascer a partir de 1995. Nesse ano, Tahnoon bin Zayed, filho do rei dos Emirados Árabes, estudava incógnito numa universidade da Califórnia e, se interessou pelo Jiu-Jitsu ao ver Royce Gracie vencendo o UFC. Após treinar por três anos com o professor Nelsinho Monteiro, decidiu criar um UFC sem os socos, com atletas de todas as modalidades do mundo se enfrentando, inspirado em outros torneios a que assistiu nos EUA.

Nascia a copa do mundo das lutas agarradas, uma tentativa de mesclar todos os estilos de lutas sob uma regra unificada. O primeiro evento foi realizado em 1998 na capital dos Emirados, e chamado de Abu Dhabi Combat Club (ADCC). Com prêmios polpudos na casa dos milhares de dólares, a disputa atraiu diversos representantes do Jiu-Jitsu, judô, sambô, wrestling e MMA para lutarem sempre em busca da submissão do oponente, o que rendeu o nome de “submission” para esse tipo de confronto. Historicamente o Jiu-Jitsu brasileiro é a modalidade que mais fez campeões neste torneio – o primeiro vencedor do absoluto foi, não à toa, o faixa-preta José Mario Sperry.

Para o mestre Relson Gracie, a modalidade até hoje guarda severas diferenças do Jiu-Jitsu propriamente dito: “Jiu-Jitsu sem kimono é damas, com kimono é xadrez”, compara o filho de Helio.

Por fim, o grande mestre Carlos Gracie, nosso pioneiro, fazia questão de ressaltar a importância dos trajes clássicos do Jiu-Jitsu, para que jamais abandonássemos o paletó. “Só com kimono ou roupas normais de uso, poderá o lutador de Jiu-Jitsu empregar com eficiência todos os mil e um recursos da arte nipônica”, ensinou o faixa-vermelha.

E você, amigo leitor, gosta de rolar sem kimono? Na sua escola, há um dia direcionado para o treino sem pano?

 

* Willian von Söhsten é formado em jornalismo e direito, com pós-graduação em semiótica. É faixa-preta de Cícero Costha e professor de Jiu-Jitsu da Team Nogueira em Ribeirão Preto, SP.

Ler matéria completa Read more