Aguardado com excitação pelos fãs brasileiros, o UFC Rio será no dia 27 de agosto de 2011, a menos de cinco meses portanto. Você se recorda como foi o primeiro Ultimate no Brasil? O que passou pela cabeça das estrelas daquela noite? Relembre aqui no GRACIEMAG.com, em reportagem de Rafael Quintanilha publicada originalmente em NOCAUTE, por conta dos dez anos do evento, em 2008.
Frank Shamrock, Pedro Rizzo, Ebenézer Braga, Jeremy Horn, Tank Abbott, Pat Miletich, Vitor Belfort, Wanderlei Silva. Estes foram os principais lutadores que, em 16 de outubro de 1998, pisaram no octógono armado na capital paulista para o UFC Brasil, num dos maiores, se não o maior, eventos de vale-tudo já realizados em território nacional.
É certo que o Ultimate não era grande como hoje, mas não é todo dia que vemos duas disputas de título da organização pioneira do esporte no Ginásio da Portuguesa (lotado com 6 mil pessoas), ou vemos Pedro Rizzo estrear no evento que o lançou à fama, ou, muito menos, vemos duas das maiores estrelas brasileiras de todos os tempos se lançarem ferozmente uma contra a outra – situação em que, basicamente, tudo pode acontecer (e bem depressa).
Mas por que foi que o Ultimate veio para o Brasil? Obviamente, desde Royce
Gracie o mundo sabia que o Brasil era um grande celeiro de talentos de vale-tudo; mas o passeio para debaixo do Equador também se deveu à necessidade. Acontece que, em 1998, o vale-tudo estava proibido na maioria dos estados americanos.
O UFC nasceu como um torneio praticamente sem regras. O evento já começou sendo um grande sucesso de pay-per-view; mas, quando o senador John McCain – ele mesmo – viu gravações dos primeiros torneios, liderou uma campanha para banir dos Estados Unidos aquilo que chamava de “rinha de galo humana”, enviando cartas a todos os governadores do país nas quais pedia que proibissem eventos semelhantes.
Trinta e seis dos 50 estados aderiram – inclusive o de Nova York, que o fez na véspera do UFC 12, o que obrigou o Ultimate a mudar o local do evento às pressas para Dothan, Alabama, onde o show rolou a 7 de fevereiro de 1997. Carente de lugares onde realizar espetáculos em seu próprio país, ainda em 1997 o Ultimate enveredou para a Ásia, onde sediou o UFC Japão 1. Em 1998, entre o UFC 17 e o 18, foi a vez do UFC Brasil.
Já promotor renomado por seu trabalho no International Vale Tudo Championship (IVC) e bem relacionado com o UFC, Sergio Batarelli foi contatado por Bob Meyorwitz, então presidente da SEG, que controlava o Ultimate.
“Ele [Meyorwitz] sabia que a produção e geração de imagens seriam mais baratas no Brasil, e, por ter vários brasileiros fazendo sucesso na época, eles vieram”, conta Batarelli, que botou a mão na massa para fazer o espetáculo acontecer: “Eles tinham o esquema de captação e geração acertados com a Globosat; as luzes eles trouxeram, e a empresa que fez a iluminação era deles. Todo o resto eu fiz: ingressos, divulgação, seguranças, tivemos um juiz de ponto da CBVT (organização que deu legalidade ao evento). Trabalhamos em conjunto. Inclusive algumas regras eu mudei no Brasil, por não as achar justas com os lutadores. Eu proibi o chute com sapatilha de wrestling aqui, e com o tempo isso foi banido de vez”.
Casando as lutas
Para o UFC Brasil, o Ultimate já trazia algumas lutas prontas, mas, estando no berço do vale-tudo, cabia abrir espaço a novos talentos tupiniquins. “Belfort x Wanderlei foi ideia minha, Ebenézer x Jeremy Horn também, assim como as preliminares entre brasileiros”, diz Batarelli. Mas se Batarelli acertou nos brasileiros que pôs pela primeira vez no octógono, o matchmaker do UFC, John Peretti, também não fez feio, como conta Pedro Rizzo: “Na época eu morava com o Marco Ruas nos Estados Unidos e vinha de vitórias no IVC. O Marco dava aula em Beverly Hills, onde treinavam Mark Kerr, Bas Rutten, e o Peretti sempre aparecia. O Peretti me conhecia de lá, e foi quem fez o primeiro contato comigo para participar do UFC Brazil”.
Segundo Batarelli, uma das preocupações da organização era com a segurança – isso por conta das imagens da grande briga ocorrida no Pentagon Combat que rodaram o mundo, apesar de este evento ter ocorrido um ano antes e em outra cidade. “Eles queriam muita segurança e tudo mais, e eu disse que iria mostrar que poderíamos controlar tudo sem problema, que, se as lutas fossem boas, com tudo no horário, não teríamos problema”, lembra o promotor. “E não tivemos, nem tinha grades para separar o octógono da torcida, e tudo foi tranquilo. A única ameaça foi quando o Wanderlei foi nocauteado e o [José] Pelé invadiu o octógono. Os ânimos se elevaram um pouco, mas eu fui pessoalmente falar com o Pelé e o Rudimar [Fedrigo], e tudo ficou calmo.”
Ebenézer e o pescoço
Após as lutas preliminares de César Marscucci e Túlio Palhares, que derrotaram a Paulo e Adriano Santos, respectivamente, foi Ebenézer Braga quem abriu o programa principal, contra Jeremy Horn. Ebenézer tinha um cartel respeitável de 16v-3d, e fazia sua estreia no UFC. Seu adversário Jeremy Horn já na época mostrava a tendência que faz dele um dos mais prolíficos atletas do esporte (então com um cartel de 12v, 3d, 3e; hoje com absurdas 112 lutas em apenas 33 anos de idade).
Horn estreara no Ultimate com uma derrota contra Frank Shamrock, o campeão dos médios, e, apesar de se mostrar um lutador muito competente ao longo de sua carreira, sairia do octógono brasileiro com sua segunda derrota seguida no UFC. Com 3 minutos de luta, Ebenézer consegue uma queda. Horn se defende e responde com um double-leg. Mas seu pescoço fica exposto, e o brasileiro dá o bote – uma guilhotina aos 3min28s. Além de grande desempenho de Ebenézer, a luta já deixava a plateia aquecida para outro duelo entre um americano e um brasileiro, marcado para mais tarde.
TK busca o cinturão
Conforme anunciam os comentaristas do UFC Brazil, Randy “Natural” Couture decidiu não defender seu título de campeão dos pesos pesados, o que deixou o título vago. Pete Williams e Tsuyoshi Kohsaka agora se encaram no octógono na busca pelo cinturão. Infelizmente, ninguém faz muita coisa durante os 15 minutos de luta. O japonês TK passa boa parte do tempo tentando aplicar uma kimura, mas sem sucesso. Williams ainda chega a montar e, perto do fim, acertar um chute alto que abala TK – porém, tarde demais para fazer muito estrago e evitar que o combate vá para as mãos dos jurados, que dão a vitória unânime para o asiático.
O primeiro campeão leve
Se a luta anterior não levantou a torcida, o que dizer da seguinte? Após vencer Eugênio Tadeu em sua estréia no UFC, Mikey Burnett lutaria pelo título de primeiro campeão leve da organização (categoria equivalente à dos meio-médios da atualidade) contra Pat Miletich, já uma lenda à época, fazendo sua 24ª luta profissional. Burnett até que tenta movimentar o combate, mas Miletich passa boa parte dos 21 minutos puxando-lhe o calção. Burnett chega a aplicar algumas quedas, contra as quais Miletich usa sua boa guarda para não levar prejuízo.
Ao fim da luta, Miletich ganha uma polêmica decisão unânime, bem como o cinturão. Burnett lutaria em seguida no UFC 18, em 1999, e depois daria um sumiço, retornando ao vale-tudo apenas na quarta temporada do programa The Ultimate Fighter.
Rizzo contra o “beberrão”
Para devolver o ânimo ao público, Pedro Rizzo x David “Tank” Abbott foi um prato cheio. Tratava-se não só de uma estreia brasileira no octógono, mas também se levava um verdadeiro ícone do vale-tudo ao palco do Ultimate Brazil. Rizzo lembra-se muito bem desta que foi uma das noites mais marcantes de sua carreira. “Lutar no Brasil é sempre muita pressão, por mais que se diga que lutar em casa é bom”, conta o carioca. “Tudo foi muito louco. Primeiro o Royce fez aquela campanha maravilhosa; depois o Marco Ruas entrou e começou a ganhar tudo; o Vitor também entrou ganhando tudo, mas ninguém imaginava que rolaria um UFC aqui. E, quando disseram que teria, ninguém acreditou muito, apesar de a organização não ter o tamanho que tem hoje. O vale-tudo estava parado.”
Luta acertada, Rizzo pôs-se a treinar para o combate contra o célebre lutador de rua. “Acredito que todo mundo achava que ele ia me nocautear”, diz Rizzo. “Ele era um brigador, mas não um cara técnico. Tinha 150kg e a mão pesada – se você pega o UFC 6, ele deu dois nocautes horríveis nos caras [John Matua e Paul Varelans], que caíram todos tortos. Ele batia muito forte, e ganhou um certo respeito por isso. Ele nunca foi um grande lutador, sempre foi um beberrão; mas na época pouca gente fazia vale-tudo, e a torcida gostava. As lutas do UFC tinham um round de 12 minutos, mais três minutos de prorrogação. Então eu decidi que tinha que me movimentar na frente do gordo. Então eu fui chutando as pernas dele, e ele foi cansando. E foi começando a entrar a mão até o nocaute.” De fato, a combinação final de socos foi tão violenta que, além de apagar o americano aos 8min07s, fez que ele se mudasse do vale-tudo para o pro wrestling, para só voltar cinco anos depois.
Nocauteado, sim. Sóbrio, jamais!
Quem acha que uma surra brutal acaba com a noite de qualquer lutador, não conhece Tank Abbott. Perguntado sobre as histórias mais curiosas do UFC Brazil, Sergio Batarelli não esconde sua favorita. “Depois do evento, teve o Tank num boteco da Rua Augusta, enchendo a cara de cerveja, com a cara toda amassada, e rodeado de mulheres feias”, lembra o promotor.
O dia em que Wand não estreou
“Foi uma noite muito triste.” É a síntese simples e sincera que Rudimar Fedrigo, líder da Chute Boxe, faz daquele 16 de outubro. Apesar do grande renome que o jovem Vitor Belfort já tinha na época, a Chute Boxe foi pega de surpresa pelo nocaute sofrido por um Wanderlei que já começava a mostrar as qualidades que fariam dele uma lenda do esporte.
“Todos, inclusive eu, achavam que o Wanderlei ganharia por nocaute”, diz Batarelli. “Mas aconteceu o bonito do esporte – o que não vale é o prognóstico, mas sim quem coloca a mão primeiro. O Vitor despejou uma sequência mortal e perfeita, e calou a multidão. O Wanderlei vinha de nocautear todo mundo no IVC, inclusive os gringos, e o próprio dono do Ultimate acreditava na vitória dele e disse que, se o Vitor perdesse, talvez desse para baixar um pouco o valor da bolsa dele.”
Curiosamente, Belfort quase não entrou no octógono para fazer uma de suas maiores lutas. “Antes de o evento começar, o dono do UFC veio me dizer que estava tendo problemas com o Vitor, pois ele alegava que estava mal de saúde e não queria lutar”, lembra Batarelli. “Fui falar com o Carlson [Gracie] e com a mãe dele, e, depois de um pouco de estresse, ele se acalmou e subiu no octógono para uma vitória brilhante e impressionante.”
Desta vez no lado infeliz de um nocaute fulminante, Wanderlei sucumbia depois de 44 segundos de combate. Para o homem que calou o ginásio, e que descia de peso duas lutas depois de ser nocauteado por Randy Couture, só há um jeito de aplicar um nocaute histórico como este. “Treinando muito, e lutando”, resume Belfort.
Todos conhecemos o gigante que Wanderlei se tornaria nos anos seguintes, mas se pode imaginar que, naquela noite, sem ainda saber que se tornaria um ídolo no Japão, não foi pequena a frustração de Wand. “A queixa do Wanderlei não foi ter perdido, mas o fato de não ter feito nada, de não ter mostrado o potencial que ele tinha”, conta Rudimar, o parceiro que restou após o retorno do ônibus alugado pela Chute Boxe a Curitiba.
Shamrock e a revanche
Fechando o evento, Frank Shamrock defenderia seu cinturão de campeão dos médios contra mais um estreante do UFC – John Lober, que, todavia, já o tinha derrotado no SuperBrawl 3, em janeiro de 1997. Mas agora a história é diferente. Lobercpassa um bom tempo na desagradávelcposição de se defender de uma guilhotina.cIncapaz de finalizar, Shamrock opta por ficarcde pé, de onde castiga seu oponente com dolorosos chutes nas pernas. Já o chute que Lober tenta dar na perna de Shamrock não é tão bem-sucedido, pois ele toma uma direita no rosto que o leva à lona. Novamente de pé, Shamrock derruba Lober pela última vez com joelhadas, e desta vez desce com ele para acabar com a luta – numa sequência de ground-and-pound contra a grade, Lober acaba desistindo aos 7m40s. Shamrock retém o cinturão.
Octagon esquecido
“Uma coisa interessante é que eles largaram o octógono no Porto de Santos, num depósito”, diz Batarelli. “Depois de alguns anos me ligaram perguntando o que eu queria fazer com ele. Eu nem sabia, estava todo podre, então deixei pra lá.” Pelo visto o Ultimate não largou seu tradicional palco por aqui com a intenção de voltar. Que bom se mudassem de ideia.